A Acme Beta — a organização Inchada do último post — saltou de duas dúzias de trabalhadores para algumas centenas em pouquíssimo tempo. Lembra aquelas pancadas que viram um galo na mesma hora. Daí a adequação do termo inchaço1. Acho que raras vezes o VSM foi tão desafiado.
Lá nos primórdios, a empresa tinha três pessoas e meia cuidando da “alta gestão”. Trocentos colaboradores depois, o meta-sistema continuava praticamente intacto. As três unidades operacionais do Sistema 1 — Boa, Má e Feia — inchavam. Não havia critérios nem motivação para subdivisões, nem que fossem meras formalidades no organograma nunca exposto. Mesmo quando aparecia um nível de recursão não oficial, lá estavam os três gestores e meio. Nesse tipo de desenho, um dos primeiros problemas perceptíveis é a fila para o aperto de mãos (handshake bottleneck):
AdM = N (N-1) / 2
Vamos pegar a Feia, a menor da unidades. Vamos supor que ela tivesse cerca de 40 integrantes:
AdM = 40 (40 - 1) / 2 = 780
Setecentos e oitenta apertos de mãos se repetindo toda manhã! Quando acontecia o último, já era hora do almoço. E olha que nem estamos considerando as filas para cumprimentar o meta-sistema. Melhor cuidar de problemas mais sérios.
problemas ou PROBLEMAS?
Pensando bem, só existem dois tipos de problemas2:
Aqueles pelos quais nós somos pagos para solucionar; e
Aqueles que não existiriam se a organização fosse bem desenhada.
O tempo desproporcional gasto em problemas do segundo tipo não é uma exclusividade de organizações achatadas ou inchadas. Quem dera! Se elas aparecem aqui é porque exageram. E seus causos são didáticos.
Não inventei os rabiscos acima. Foi o próprio Beer quem brincou com a possibilidade — impressionista, segundo ele3. Ilustra bem toda a variedade de conflitos, reclamações, maledicências e intrigas intelectuais que proliferavam de segunda a segunda naquele ambiente. Preciso chamar a sua atenção para outras questões sugeridas no desenho:
Lá em cima, os Sistemas 3, 4 e 5 se confundem. Todos existem — sempre existem de uma maneira ou de outra. Acontece que a bagunça abaixo é tão grande que praticamente só o 3 aparece — apagando incêndios. Beer faz uma brincadeira que ilustra bem a situação: imagine o seu cérebro tendo que se preocupar com o dedão do pé a toda hora de todo santo dia.
A gestão 1B (da operação Má) lida com uma variedade explosiva e, como não tem condições para filtrá-la, leva-a para cima. Ou a deixa vazar, o que não faz muita diferença.
A operação Boa, apesar das bolas quadradas que recebe, consegue entregar o que promete. É quase um milagre cibernético — uma ilha no meio daquela zona.
A operação Feia, o que dizer da Feia?
O Diagnóstico
Não adianta identificar o inchaço e não (re)conhecer a(s) sua(s) causa(s)4. Ele, o inchaço, estava ali para todo mundo ver. Daria para te enganar puxando um ou outro caso isolado para explicar a situação — uma causa raiz. Ou, como é mais comum, apontar o dedo para algumas pessoas. Não vou te enganar.
Uma boa estrutura organizacional precisa ser desenhada. É uma grande bobagem e uma irresponsabilidade achar que a auto-organização é possível no vácuo ou viável na bagunça. Assim como é um imenso erro não perceber a relação dinâmica, direta e de mão dupla entre estrutura e cultura — elas crescem juntas. Para o bem ou para o mal, elas evoluem de forma simbiótica.
As organizações que projetam sistemas (no sentido amplo usado aqui) são constrangidas a produzir desenhos que são cópias das suas estruturas de comunicação.
É um pecado que a gente só fale sobre Conway no contexto do desenvolvimento de software. Melvin Conway escreveu: “no sentido amplo usado aqui”. Ou seja, sua descoberta parece ter mesmo o poder de lei5 no desenho de diversos outros tipos de sistemas.
A Acme Beta vivia pulando de reestruturação em reestruturação. Novas matrizes eram desenhadas, chefias eram criadas, sem que isso significasse uma descentralização real. As margens de manobra, a autonomia, dos elementos operacionais do Sistema 1 seguiam mínimas — quase inexistentes. Tinha C*O no chão de fábrica todo dia — o córtex frontal obcecado pelo dedão do pé.
Algumas matrizes desenhadas chegaram a colocar cinco interfaces em torno dos profissionais do Sistema 1. O inchaço nunca se limita ao número de agentes, ao tamanho do subsistema. Na Acme Beta, havia inchaço de interfaces.
Um dia nós aprendemos com Donald Reinertsen6 que a fonte primária de valor mora nas interfaces. Foi conveniente ignorar por um certo tempo que se trata da mesma residência da complicação e da complexidade. Foi quando acreditamos que uma arquitetura baseada em micro-serviços atenderia todo e qualquer tipo de sistema de informação. Mas agora eu puxei o papo pra longe. Perdão.
A Acme Beta, apesar da reunião raríssima de muitos talentos e mentes geniais, nunca conseguiu ter um desenho que funcionasse. Nunca! Quem imagina o spin-off da operação Boa ignora a extrema dependência que ela tinha das duas unidades técnicas, a Má e a Feia. Sem a experiência prática adquirida ali, a Boa viraria em pouco tempo só mais uma escolinha. Mas, e a Feia? O que dizer da Feia?
Fogo no parquinho do Boteco
Mais uma série sem fim…
Cara, isso aqui é um blog. Não é um livro. Pra que fim?
Ah, mas ele podia fechar umas histórias, né?
E se a história não acabou?
Acaba. Ele quer ganchos para fisgar mais assinantes.
E vender treinamentos…
Pode até ser, mas vocês não estão curtindo? Ou, melhor, não estão aprendendo ou no mínimo ficando curiosos?
Eu estou — curioso como há muito tempo não ficava. O papo sobre interfaces já tinha aparecido antes?
Muito pouco.
Pois é: na hora que ele falou sobre excesso de interfaces eu pensei no modelo Spotify, não em microserviços.
Spotify?
Sim: tribos, squads, guildas, chapters… Lembrou a Acme Beta, não? Naquele papo de cinco interfaces em torno de um profissional.
Mas uma é apresentada como solução. A outra, como bagunça.
Qual tá certa?
Se bem entendi, nenhuma das duas. Mas quem sou eu?
Você é o cara que acabou de ser nomeado o elemento operacional do Sistema 1 deste boteco que vai naquele freezer ali no canto ver se acha uma cerveja minimamente viável.
Cotação
Não existe crescimento perpétuo. No entanto, é isso que os empresários tradicionais desejam. Mas o que o crescimento pretende alcançar? Se a Universidade de Oxford é tão bem-sucedida, então por que não existe uma filial em Washington? Se uma sinfonia faz sucesso com 120 músicos, por que não fazer ainda mais com 600? “Crescer ainda mais” não é uma estratégia de negócios muito eficaz.
Que se torna ainda mais adequado quando você descobre, via Houaiss, que ele também é sinônimo de arrogância e vaidade.
Mais uma das diversas sacadas legais de Martin Pfiffner em The Neurology of Business: Implementing the Viable System Model (Springer, 2022).
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Mas, devo insistir: bom ou ruim, um problema só existe porque falta conhecimento. E o problema só persiste quando falhamos na criação do conhecimento necessário — quando nós não aprendemos a aprender.
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Heart of the Enterprise (Wiley, 1979).
Brinquei com aqueles parênteses mas eu sei que você sabe que problemas complexos nunca têm uma única causa.
Acho que nem fui cuidadoso o suficiente: “parece ter mesmo o poder de lei”. O zelo é necessário porque não estamos falando sobre uma lei criada pelo homem, consequentemente, frágil como ele. Estou sugerindo que a Lei de Conway, assim como a Lei de Gravidade e a Lei de Ashby (variedade requerida), é uma lei da natureza. Ao homem, bastou descobri-la e resta obedecê-la.
Pensando bem, devo admitir que a afirmação é controversa pra chuchu. Mas pode render bons papos. Colocando de outra forma: tudo o que nós criamos coletivamente reflete a forma como colaboramos, a nossa estrutura organizacional?
Managing the Design Factory: A Product Developer’s Toolkit (Free Press, 1997).
Citado em Company Of One: Why Staying Small Is the Next Big Thing for Business, de Paul Jarvis (Penguin, 2019).