Começamos a desvendar a estrutura gerencial necessária e suficiente1 para garantir a viabilidade de um sistema. No post anterior nós conhecemos o Sistema 2, um centro regulatório desenhado para garantir equilíbrio e coerência entre os diversos elementos operacionais do Sistema 12.
Esse jeitão de algoritmo do Sistema 2 — de uma sequência de comandos e padrões — é um sonho de Ford, aquele cara que reclamava que o par de braços contratado sempre vinha acompanhado de uma cabeça pensante. Um Sistema 2 bem desenhado sempre leva em consideração o seguinte:
Essas políticas são guias, não instrumentos de opressão.
Leve ou pesado, enxuto ou burocrático, o Sistema 2 é sempre necessário. Necessário, mas não suficiente. É por isso que precisamos de um Sistema 3.
O Sistema 3 é o primeiro componente do VSM que consegue enxergar o todo. Beer escapa, intencionalmente ou não, da armadilha do holístico4. Ele diz que a perspectiva do Sistema 3 é sinóptica — que vê as partes de uma só vez. O Sistema 3 tem duas responsabilidades, cada uma representada por um par5 de linhas verticais ligando os sistemas 1 e 3 no diagrama acima.
A primeira responsabilidade aparece na forma de uma barganha: O Sistema 3 disponibiliza recursos para o Sistema 1 em troca de promessas de desempenho. RH, TI, Compras, Almoxarifado, Centros de Distribuição, Logística.. são todos exemplos de componentes que podem formar um Sistema 3. Por outro lado (laço), Financeiro e Contabilidade são as áreas do Sistema 3 que normalmente tratam dos indicadores de desempenho.
A existência dessas funcionalidades6 no Sistema 3 não impede a replicação delas no Sistema 1. É tudo uma questão de quanta autonomia o Sistema 1 merecerá.
A volta desse laço de fidbeque — a promessa de desempenho — chama a atenção. Porque ela não é tão comum como poderíamos esperar. Há muitas áreas em diversas empresas que nem sonham em pedir uma prestação de contas como contrapartida para os serviços que entregam. Minha impressão enviesada7 é a de que TI é campeã nisso. E na incapacidade de dizer não.
Comandos em Ação
A segunda responsabilidade do Sistema 3 é sobre comando. Trata das intervenções que ele faz no sentido de manter a viabilidade da organização. Em algumas versões do diagrama VSM, Beer nem se preocupou em representar este canal como um par de linhas8. Porque, segundo ele, cabe ao Sistema 1 simplesmente obedecer. Este seria o fidbeque ao comando. Há ironia aqui e necessários esclarecimentos abaixo. Serão suficientes? Veremos.
Precisamos voltar alguns passos para entender as intervenções do Sistema 3. Até agora as relações entre as operações do Sistema 1 foram apresentadas apenas como linhas trêmulas na vertical9. Uma forma alternativa de entender essas relações está no lado direito do rabisco. A parte escura no centro representa a absoluta necessidade de sinergia, de coesão e coerência. Vimos no post anterior como os requisitos de integração e padronização são definidos e compilados no Sistema 2. As áreas cinzas do desenho indicam relações e trocas que podem ser tratadas diretamente pelas operações. Ou seja, elas podem ficar exclusivamente no domínio do Sistema 1. Podem? Deveriam! Mas o mundo não é perfeito e existem conflitos e CONFLITOS. Alguns, como adiantei, vazarão para cima. É a tal variedade residual.
Repare: em um sistema viável, esse tipo de intervenção é a exceção. Os Sistemas 1 e 2, bem desenhados, resolveriam algo entre 80% e 90% dos casos10. Mas, o que é que testemunhamos no dia a dia de nossas organizações? A alta gestão afundada em questões operacionais, contando patinhas de formigas. Esta patologia — a organização sem cabeça — tende a ser mais comum em países como o nosso, onde impera a desconfiança.
Sistemas complexos sobrevivem e prosperam porque o controle é distribuído.
-Jurgen Appelo11
No entanto, este canal não pode ser simplesmente reativo. É o canal de comando e controle, oras. Mas esse tipo de uso só ficará mais claro quando conhecermos os dois sistemas que completam a parte gerencial do VSM. Chegaremos lá. Antes, porém, um necessário asterisco (ou seria uma estrela?).
Asterisco
Então quer dizer que o Sistema 3:
Negocia, desenha e fixa um dispositivo para evitar oscilações no Sistema 1. Este centro regulatório atende pelo nome de Sistema 2; e
Oferece dois canais para interação direta com os gestores do Sistema 1. Um para a negociação de recursos e outro para o comando e controle.
Seriam suficientes? Ainda não. Conheça o Sistema 3*.
Reparou? É um canal de interação direta entre o Sistema 3 e as operações. Ele passa por cima da gestão do Sistema 1 e conversa diretamente com a turma da operação. Quem conhece o Sistema Toyota deve ter pensado no Gemba Walk. O Sistema 3* é um mecanismo de auditoria e monitoramento. Funciona quando ocorre de surpresa12, com relativa frequência e obedecendo a um requisito fundamental: dos quatro canais que ligam o Sistema 1 à alta gestão, este é o que mais ouve.
Fechado13 o Aqui e Agora, é hora de conversar sobre o Lá Fora, Amanhã.
Cotação
Em cada nível, o sistema que está sendo considerado pode constituir um organismo individual. Uma célula pode ser parte de um tecido, mas pode também ser um microrganismo, que por sua vez é parte de um ecossistema; e quase sempre é impossível traçar uma distinção nítida entre essas descrições. Todo subsistema é um organismo relativamente autônomo, mas também, ao mesmo tempo, um componente de um organismo maior; […]
Assim, o predomínio total de ordem no universo assume um novo significado: a ordem em um nível sistêmico é a consequência da auto-organização em um nível maior.
Beer usa estes critérios de aceite o tempo todo: Necessário E Suficiente. Isso é puro suco de pensamento Lean.
Ao invés de dizer “… garante equilíbrio e coesão em todos os Sistemas 1” eu escrevi “… equilíbrio e coesão entre os diversos elementos operacionais do Sistema 1”.
Ambas as colocações estão corretas, IMHO. Se chamo a sua atenção é porque alguns autores se fixam em apenas uma das definições.
The Heart of Enterprise (Wiley, 1979) Pág. 155
Holístico, sistêmico, quântico, neuro… São alguns dos termos favoritos dos criadores de pseudociências. Por isso nós deveríamos evitá-los sempre que possível.
Eu não sei se enfatizei isso o suficiente. Por via das dúvidas, vamos lá: Por que a ligação entre todos os elementos do VSM sempre ocorre em pares?
Porque sempre há a necessidade de balanceamento da variedade. Em outras palavras, uma linha atenua a variedade que recebe enquanto a outra amplifica a variedade que expõe.
Atenuação e amplificação são conceitos triviais (essenciais!) no VSM, mas ausentes em outras propostas de Abordagem Sistêmica. Ainda assim, em todas deveríamos perceber um par ligando partes ou sistemas. Porque:
Para toda ação há uma reação;
“Quem não chora dali, não mama daqui…”, canta Rita Lee (Jardins da Babilônia);
“Tudo o que você faz, um dia volta pra você”, fecha Renato Russo (Boomerang Blues).
Soou melhor que departamentos, mas exigiu uma nota explicativa.
Porque geralmente é ali que eu trabalho, em TI. Infelizmente? Às vezes.
Allenna Leonard, no artigo Walking the Line: Making and Dissolving Distinctions with the Viable System Model and Team Syntegrity, chega a dizer que se trata de um canal de mão única. Não posso concordar. Veja nota 5 acima. Link recuperado em 24/03/2024.
Cabe uma observação que nem sei se soará como reforço ou algo novo para ti. Não há entre as unidades básicas do Sistema 1 uma relação hierárquica. A posição deles em um diagrama VSM não indica nenhum tipo de preferência ou privilégio. Trata-se apenas de uma lista com três colunas: ambiente, operação e gestão. Uma lista que pode ser ordenada de diversas maneiras.
Chute irresponsável, wishful thinking, chame como quiser. Mas não pese patinhas de formigas, por favor. A mensagem é: se você não quer adoecer e nem comprometer a saúde da organização, confie nos seus times!
#Workout: Games, Tools & Practices to Engage People, Improve Work, and Delight Clients (Management 3.0) (NPN drukkers, 2014).
Ou seja, não tem nada a ver com aqueles teatrinhos que envolvem algum cartório (órgão certificador) e têm data, hora e roteiro previamente combinados.
“Fechado” é jeito de dizer. Estamos apenas na primeira iteração.
O Ponto de Mutação (Cultrix, 2012).