Ainda bem que o nosso crescimento não guarda nenhuma semelhança com o crescimento das organizações. Porque a grande maioria delas cresce de uma forma muito atabalhoada e esquisita. Se as imitássemos, reduziríamos a nossa expectativa de vida para uns 12 ou 13 anos. Quando crescemos, nós — organismos — não alteramos a nossa estrutura. Continuamos tendo dois braços, duas pernas, uma cabeça — você entendeu. Nas organizações, as reestruturações são a resposta padrão e desastrada para questões de ganho ou perda de tamanho.
A Acme Beta1 representa tão bem esse efeito sanfona que nem parece um caso baseado em fatos reais, recursivos e autorreplicantes.
É fácil destacar as três unidades operacionais que formam o Sistema 1 da Acme Beta: A Boa, a Má e a Feia. Em boa parte de sua história, a unidade Boa nunca representou menos do que 60% ou 70% do faturamento total da Acme Beta. Era a unidade que viabilizava a existência das outras, além de alguns mimos e luxos. A unidade Má tinha tamanho; Só. A Feia era feia e teimosa; Tinha história. A empresa se desenvolveu a partir dela. Mas, nossa, como deu dor de cabeça.
O bom trabalho da unidade Boa fez com que a Acme Beta ficasse bem famosa. Isso é notável, porque tudo o que a Boa entregava eram treinamentos que tinham conteúdo e material didático desenvolvidos em outro lugar. Em outras searas, esse tipo de produto ou serviço é chamado de enlatado. Vários concorrentes ofereciam as mesmas latinhas Brasil afora. O que diferenciava a Acme Beta?
Engraçadinhos apontavam para o coffee-break. Mas o verdadeiro diferencial estava nos instrutores. Não porque eles gabaritavam provas de múltipla escolha — o que lhes garantia certificados, fama e grana; Os instrutores mais requisitados adquiriam experiência atuando nas unidades Má e Feia. Essa experiência prática faz toda a diferença numa sala de aula. Se a unidade Boa funcionasse apenas com a turma da decoreba, é pouco provável que tivesse alcançado o mesmo sucesso.
A unidade Boa tinha todos os recursos necessários para cumprir o seu papel — treinar — menos um: o instrutor. Esse cara vinha das unidades Má ou Feia. Quando esse tipo de fornecimento ou empréstimo ocorre numa indústria, por exemplo, a unidade fornecedora é remunerada. Há a cobrança do que chamamos de Preço de Transferência. Se o assunto passou pela Acme Beta, passou batido e vencido. Ainda que as unidades Feia e Má conseguissem um preço melhor pelos mesmos recursos lá fora, eram praticamente obrigadas a atender a Boazinha. Sem receber nada por isso!
Quase todo mundo que atua com serviços corporativos sabe que treinamentos podem funcionar como iscas para relacionamentos mais próximos, lucrativos e duradouros. Brotavam oportunidades naquele ambiente que costumeiramente reunia centenas de pessoas todos os dias.
A unidade Feia não queria saber disso não. “Tava tão bom ali, quietinho”. Traumas do passado justificariam toda aquela passividade.
A unidade Má tinha que achar destino para um monte de gente. Não me pergunte por que contratavam tanto. Um dia a gente fala sobre isso. O que importa é que aquela operação crescia. Crescia não, inchava. A olhos vistos. O que agrava ainda mais a situação é perceber que o mercado potencial para essa unidade é Mau. Ele é Mau porque é fraco das ideias, vende gente por hora e faz do preço o único diferencial competitivo. Enfim, ruim pra chuchu.
O que torna ainda mais inexplicável uma das diversas tentativas de reestruturação. Sugeriram que todos os recursos técnicos fossem colocados em um único pool. Era o pêndulo se movendo novamente para a centralização. Mas eu estou me adiantando.
No boteco
Se o post se propõe a falar sobre uma Organização Inchada, por que cargas d’água ele omitiu a causa do inchaço?
Talvez porque ela seja trivial: o sucesso da empresa levou ao crescimento desordenado…
Ao câncer…
Termo ruim!
Concordo.
Tá, mas o sucesso acontece na unidade Boa. E o crescimento se dá na unidade Má? Como assim?
A Boa não tem instrutores. Mas, caramba, quem precisa de tantos instrutores?
Pois é, não é possível que todo o crescimento tenha acontecido só para atender as salas de aula.
A unidade Má presta serviços, né? De que, ele não falou. Mas fala em alocação de mão de obra. Deve ser por aí…
Para ganhar uns trocos e se diferenciar na base do preço?
Ah, a fama dos instrutores devia levar à contratos melhores, não?
Mas eles alocavam os instrutores? As estrelas da Unidade Boa?
Não sei, o post é enigmático pra cacete…
Vamos pedir a saideira e voltar ao que nos interessa: o VSM. Cadê o VSM nessa história toda?
O mau relacionamento entre as unidades operacionais do Sistema 1 sugere um Sistema 2 bem fraquinho, né? Os caras têm que brigar por recursos o tempo todo?
E a unidade Feia, que nem gestão tem?
Hehe, reparei… Ela se reporta para a Gestão da Má?
Num relacionamento pontilhado!?
Isso existe no VSM? Eu nunca vi.
Nem eu.
E quem viu unidades com os nomes Boa, Má e Feia?
Bons apelidos. Beer teria gostado.
Sei não… E a cerveja que vem pra nossa mesa segue quente.
E nunca recebemos uma visitinha do 3* pra reclamar, né? Sistema mal desenhado pra cacete…
Era bem melhor antes da fama.
Cotação
A ideia de que o crescimento é por si só um objetivo é uma grande ilusão. Não há virtude no crescimento. O objetivo certo é tornar-se melhor. O crescimento, para ser sólido, deve ser o resultado de fazer as coisas certas. Por si só, crescimento é vaidade e pouco mais.
Acabei de descobrir que Acme Beta é o nome de um calmante. Como apelido para a empresa em estudo, soa como fina ironia.
Citado em What would Drucker do?: Nurture great organizations and societies guided by Peter Drucker's best quotes, compilação de Niels Pflaeging (Betacodex Press, 2023).