Nesses tempos de muito sincericídio e pouco tato, ainda estou para ver uma organização se pronunciando contra a cooperação:
Aqui é cada um por si e Deus contra todos!
O slogan ficaria bem bom ao lado do quadro das declarações de missão, visão e valores. E em crachás e camisetas, como não?
Não, não veremos esse tipo de coisa em discursos ou cartazes. Só na prática. Dia sim, outro também. Por isso pipocam ofertas para nos ensinar comunicação não violenta1. Por isso tem tanta gente ficando doente de trabalhar. O diagnóstico de Richard Sennett2 vai direto ao ponto:
Estamos perdendo as habilidades de cooperação necessárias para o funcionamento de uma sociedade complexa.
Uma perda que pode ser mais acentuada e acelerada num país como o nosso, onde quase todo mundo desconfia de quase todo mundo. Qualquer assunto vira um cabo de guerra. Tudo é conflito o tempo todo. Haja saúde! Haja saco!!
Um conflito se configura quando as partes envolvidas não concordam nem com os fins e nem com os meios. É uma sinuca de bico que só se resolve quando as pessoas estão dispostas a ampliar e rever seu ponto de vista ou quando um objetivo maior é colocado na mesa. Em nível nacional, muitos presidentes já resolveram conflitos inventando guerras — inimigos comuns. Uma estratégia covarde e homicida que segue em voga.
Se há um acordo em relação aos fins mas não aos meios, temos uma concorrência. Bem administrada, ela pode ser muito saudável para uma organização. Pense bem: dois ou três times buscando a melhor maneira de realizar determinado objetivo. Experiências e protótipos elaborados de forma ágil. Evidências empíricas na mesa para orientar a escolha da melhor solução, e não joguinhos políticos.
Numa coalizão temos times ou departamentos buscando objetivos específicos enquanto compartilham recursos, métodos e ferramentas. Esses times devem ter o que ensinar e aprender uns com os outros. Quando e se o fazem, na maioria das vezes, é ao acaso e de maneira informal. Pode ser diferente.
Na cooperação — que, sei lá, deveria ocorrer durante 80% do tempo — todas as partes concordam com fins e meios. Esse acordo não pode ser imposto, obviamente. Em organizações viáveis, fins e meios são negociados o tempo todo. Por todo mundo.
Nenhuma situação que justifique o nosso tempo se acomodará quietinha em um dos quadrantes da matriz acima. Podemos ter gente se espalhando por todo o quadro. Porque, se a situação justifica o nosso tempo, ela é complexa. Se é complexa, é dinâmica. A graça — o Desafio! — está na construção de um entendimento criativo.
A Cooperação é uma Habilidade
Assim como a aprendizagem coletiva que viabiliza a cooperação. Como tal, ela precisa ser trabalhada, desenvolvida. Ninguém nasce sabendo como aprender e trabalhar em equipe. E aqui nós encontramos mais uma dessas estranhezas da vida moderna: times de futebol treinam; bandas de rock ensaiam; os times de negócios, aprendem quando? Como?
Não se aprende sozinho aquilo que só se faz em grupo.
Cotação
É possível que você, como eu, não goste da expressão “habilidades sociais”, que parece indicar pessoas boas de conversa em um coquetel ou capazes de lhe vender coisas de que você não precisa. Mas existem habilidades sociais mais sérias. Elas podem percorrer toda a gama de ações implicadas em ouvir com atenção, agir com tato, encontrar pontos de convergência e de gestão da discordância ou evitar a frustração em uma discussão difícil. Todas essas atividades têm um nome técnico: chamam-se “habilidades dialógicas”.
Descobri agora, a comunicação não violenta já tem até instituto! Eu continuo entendendo comunicação não violenta como um oximoro: Se há violência, comunicação não haverá.
Juntos: Os rituais, os prazeres e a política da cooperação (Record, 2021).
Ibid. pág. 17.