A versão deste balanço para pessoas físicas foi publicada em dezembro/23. A leitura daquele post não é requerida, mas se paga.
Reza a lenda que Henry Ford disse que seus clientes poderiam escolher qualquer cor para seus carros Modelo T desde que fosse a cor preta. Foi assim que Ford reduziu drasticamente uma parte da variedade que vinha do ambiente. Este é o sentido da seta C acima: atenuar a variedade que vem de fora.
Nenhuma corporação, nem as recentes trilionárias, consegue ser (vender) tudo para todo mundo. Uma organização filtra naturalmente a complexidade que chega do seu nicho quando:
Define sua carteira de produtos e serviços
Delimita a área geográfica de atuação
Fixa dias e horários de atendimento
Precifica as suas ofertas
A lista mostra exemplos de filtros bastante comuns. Quando tomamos esse tipo de decisão não estamos pensando na redução da variedade. Não se fala sobre isso nas escolas e empresas. Mas é exatamente isto que estamos fazendo: filtrando boa parte da complexidade que o ambiente nos empurra.
O caminho inverso é representado pela letra D: como a organização amplifica a própria variedade. Uma forma óbvia é a publicidade, por exemplo. Mas considere a onda dos marketplaces virtuais, quando uma empresa muito maior topa abrir a sua carteira de clientes e a plataforma de vendas para firmas de menor porte. Para ambos, feira e feirante, trata-se de um aumento da variedade. Para o primeiro, da variedade de ofertas; Para os afiliados, do número de clientes potenciais.
Assim como acontece com a gente, há muita informação passando batido pela organização1. Pense em todas as oportunidades e ameaças que só foram percebidas quando já era tarde demais. Aquela informação estava disponível para empresa, assim como estava para o concorrente que a aproveitou. Pode ter sido uma questão de sorte. Quase sempre é2. Mas esse tipo de atenção pode ser desenhado. Aliás, precisa ser. Se a organização se pretende viável, ela precisa ser mais atenta. E assim voltamos ao filtro C, que pode comprometer o futuro de um negócio quando é muito relapso ou muito restritivo.
Gestão vs. Operação
Assim como na relação entre ambiente e operação, há grande diferença de variedade entre a operação e sua respectiva gestão. Os desafios que se colocam são os mesmos, ainda que em outra proporção: como a gestão atenua (A) a complexidade que vem da operação?; e como ela amplifica sua própria variedade (B)?
Processos, formulários, indicadores, templates, uniformes e treinamentos são exemplos comuns de redutores de variedade (A) usados pela gestão. Todos os esforços e recursos que buscam padronização e/ou integração devem ser vistos assim. Toda a complicação existente em uma organização representa tentativas de redução da complexidade. Tentativas desastradas, como vimos anteriormente.
E a amplificação (B) da variedade da gestão, como é possível? Através daqueles emails onde todo mundo é copiado? Pode ser, mas o exemplo é terrível. Assim como são terríveis, em diversos sentidos, os grupos nos whatsapps da vida. Fazer o quê? Dada a enorme diferença de variedade, gerentes demandam megafones. Quanto menor a confiança no taco, maior o megafone requerido. Parece inevitável, neste balanço cibernético, falar sobre berros e birras. Mas o VSM tem uma sugestão: o melhor amplificador de variedade conhecido atende pelo nome de autonomia.
Não há ninguém melhor preparado do que aqueles que estão na operação, na ponta, para atender todas as demandas e resolver todos os problemas. Todos é um jeito ingênuo porém intencional3 de dizer. Sempre haverá o que chamamos de variedade residual, ou seja, aquela complexidade que vaza para a alçada superior. Esse vazamento deveria ser uma exceção. Em diversas organizações, é a regra — o inferno de todo santo dia.
Engenharia da Variedade
Foi este o nome dado por Stafford Beer para os trabalhos de desenho e estruturação dos amplificadores, redutores e canais: Engenharia da Variedade. Convenhamos, é um jeito bem diferente de pensar o desenho de uma organização. Que faz todo o sentido quando compreendemos aquela lei natural, a Lei de Ashby: só a variedade absorve variedade.
Vamos brincar um pouco com os conceitos usando o diagrama acima como guia:
Quando uma empresa adota o modelo Spotify ou Team Topologies para o desenho de seus times, o que ela está fazendo? Está reduzindo ou amplificando a variedade? Onde (A, B, C ou D)? Para quem?
Quando uma organização oferece um canal dotado de Inteligência Artificial, o que ela está fazendo? Está reduzindo ou amplificando variedade? Onde? Para quem?
Pense num problema que você enfrentou ou testemunhou, em uma organização qualquer, que não tenha nada a ver com a redução ou amplificação da variedade. Compartilhe conosco, por favor!
Errata
Esse rabisco completo do VSM foi publicado no post anterior. Ainda que estejamos bem no início de nossa jornada pela Cibernética Organizacional, quero crer que você consegue achar um erro no diagrama.
Cotação
Respeite a variedade.
-Donald G. Reinertsen4
Beer, falando das informações que passam batido por nossas organizações (em The Heart of Enterprise):
Seria grandioso dignificar esta operação como uma ‘técnica de gestão’, mesmo porque é o mais forte de todos os redutores de variedade. Mas isso se chama COMPLETA IGNORÂNCIA.
Lendo Fluke: Chance, Chaos, and Why Everything We Do Matters, de Brian Klaas (Scribner, 2024), fica difícil sustentar o quase na afirmação “quase sempre é questão de sorte”.
Intencional porque é desenhado para ser assim.
Managing the Design Factory (Free Press, 1997).