Um dos botequeiros ameaçou pular deste barco caso eu sugerisse a contratação de gerentes pela Acme Alpha. Correndo o risco de perder 20% da audiência, preciso perguntar: por que não? Esta segunda e última parte sobre a organização achatada traz alternativas. Mas o ponto de partida precisa ser este: por que uma organização abriria mão de seus gerentes?
Pra que serve um Gerente?
Houve um tempo, como vimos no post anterior, em que o gerente era um modelo a ser seguido. Como um mestre das guildas medievais, o gerente dominava como ninguém o trabalho. A partir de meados do século passado, o papel do gerente mudou drasticamente. A Gestão — a Administração de Empresas — ganhou outro significado. Tanto que mereceu um corpo de conhecimentos próprio, escolas, ferramentas, referências1 e parasitas2. Beer resume como ninguém a resposta para a pergunta acima:
Neurônios e gerentes têm apenas uma função básica a executar: decidir.
A tarefa fundamental do gerente é dizer sim ou não.
Portanto, ao abrir mão dos gerentes, a Acme Alpha transferiu a responsabilidade de decidir para todos os trabalhadores. E se tem uma causa bem identificada para o cansaço geral e irrestrito que nos assola é exatamente esta: a quantidade e variedade de decisões que temos que tomar todo santo dia.
Assim como não há almoço grátis, também não existe decisão sem custo. Quanto custariam cinco gerentes bem distribuídos entre as áreas críticas4? Cem mil por mês? A Acme Alpha reparte essa economia entre os quarenta e poucos trabalhadores que participam dos processos decisórios? Não. Nem paga salários acima da média de mercado. O grau de autonomia oferecido seria um diferencial da empresa; vendido como sendo um benefício, um privilégio.
O Lugar da Autonomia
Um time ou operação com autonomia de verdade tende a ser mais eficaz e ágil5 em todas as interações com seus clientes. Tem lojas de roupas e hotéis que colocam algumas centenas de dólares no bolso dos atendentes todo dia; Para que eles não deixem um cliente ir embora com motivos para reclamar ou para nunca mais voltar. Na Acme Alpha, que não é varejista nem rede hoteleira, os times gozam de autonomia similar — verdadeira. O problema deles não está no eixo horizontal.
Um meta-sistema — o conjunto formado pelos Sistemas 2, 3, 3*, 4 e 5 — só existe para garantir que o Sistema 1 tenha plenas condições de entregar o que a organização promete. Ou seja, um meta-sistema presta serviços para os componentes do Sistema 1. Quando uma organização coloca nas costas do Sistema 1 as responsabilidades que seriam da alta gestão — do meta-sistema — ela está cometendo, em termos lógicos e cibernéticos, pelo menos duas mancadas:
Reduzindo o tempo que o Sistema 1 passa com os clientes, potenciais fregueses e com o ambiente de maneira geral. É o Sistema 1 que traz oxigênio, informação e grana para a organização. Quanto menos tempo ele tem para isso…
Aumentando o tempo que se gasta em decisões e em cada decisão, como vimos no post anterior.
Uma solução que não envolva a adoção de gerentes é possível. Cada time pode ter uma cadeira no Sistema 3. UMA cadeira. A cada decisão que o time julgar importante, ele escolhe um de seus membros para participar do debate. Mas é importante lembrar que este representante não está levando a sua opinião e seu voto e sim a posição do time. Ou seja, o time debateu antes a questão. Pois é, seguimos gastando um tempo que pode fazer falta em outro lugar… Mas é o que pode ser feito, sob a ótica do VSM, para uma vida livre de gerentes.
Quem dera o mau uso do tempo fosse o único problema da Acme Alpha. É por isso que ela poderá voltar em outros posts. Coesão e remuneração são dois tópicos que merecem nosso tempo. Antes, porém, vou retratar outras Acmes.
Mais tarde no boteco
Por que ele não colocou esse lance de autonomia vs. coesão antes?
Ele colocou!
Não desse jeito — não com aquele rabisco.
Bah, tem um monte de coisa que ele ainda não colocou. Por exemplo: quase não se falou sobre os canais de comunicação. Aliás, ele ainda nem citou os quatro princípios da organização! Como pode?
Redução da variedade, hehe…
Prioridades esquisitas.
Não acho. Ele está estressando os níveis — os sistemas. Os princípios só serão bem entendidos depois disso.
E depois de uma boa explicação sobre os canais.
Boa explicação. Boa explicação. Ô chefia, pra quem você tá reservando a cerveja gelada?
Mais um Sistema 1 mal desenhado pra cacete…
Cotação
Burocrata é a pessoa com muito poder para dizer não e nenhum poder para dizer sim.
Neste ponto da história, acho que não tem ninguém maior do que Peter F. Drucker.
É inevitável: todo sistema complexo tem os seus parasitas. No caso dos sistemas sociais, uma das variações mais perigosas atende pelo nome de charlatão. Em disciplinas com fronteiras porosas e muito mal traçadas, como a Administração de Empresas, esses vermes se sentem em casa.
Brain of the Firm - Second Edition (Wiley, 1981). Pág. 64.
A conta de padaria não compromete o raciocínio. Cinco gerentes críticos: Vendas, RH, Financeiro, Tecnologia e Compras, por exemplo.
Obs.: Conta de padaria é um preconceito que nunca se justificou. Mas ficou, fazer o quê?
É uma merda ter que pensar três vezes antes de usar este adjetivo (ágil) numa frase.
Management F-Laws: How Organizations Really Work (Triarchy Press, 2007).