Precisamos e queremos ser complexos porque assim aumentamos as chances de uma vida melhor. Mas também porque só a variedade absorve variedade. E se tem uma coisa que não falta no mundo lá fora é variedade. O problema é que nós não temos a menor possibilidade de apreender, sentir e viver TODA aquela complexidade. Lembrando: dos oito bilhões de bits que nos bombardeiam a cada segundo, só conseguimos pegar cerca de cento e quarenta. Esta é a largura da nossa banda de atenção: 140 bits/segundo1. Só!
Como se não bastasse toda a variedade que nos chega naturalmente, vivemos uma guerra sem precedentes pela nossa atenção. A evolução não nos preparou para tantos gritos, ruídos, compromissos, influencers, timelines, telas e opções de xampu. A má notícia é que não há um freio para contrapor esse acelerador de variedade à vista. Muito pelo contrário.
A boa notícia é que muitos de nós ainda somos, de fato e de direito, donos do próprio nariz. Cedo ou tarde a gente se dá conta disso. E começa uma sessão de detox memorável: deletando contas em redes sociais, recusando convites, reduzindo a rede de contatos inúteis, minimizando o consumo de notícias, terceirizando e automatizando rotinas. Enfim, dando o devido valor aos nossos mais preciosos bens: a atenção e o tempo.
A primeira sessão de desintoxicação pode acontecer numa pancada só. Mas a vigilância deve ser constante. Essa vigilância é representada pela seta inferior do desenho acima. Daqui a alguns posts explicarei a simbologia e origem do diagrama. Por enquanto, é importante notar que essa filtragem é realizada pelo próprio sistema — por você! Você está reduzindo a variedade que recebe do ambiente. Só passa a diferença que faz diferença2.
A seta de cima representa o sistema amplificando a própria variedade. Tem gente que berra. Tem criança que faz birra. Há aqueles que vivem de expor seus belos colares de melancia em redes antissociais.
Quanta bobagem! E que pecado, dar a impressão de que a amplificação da nossa variedade seria apenas uma questão de marketing pessoal e gritaria. É claro que não é. Como Mihaly Csikszentmihalyi3 nos mostrou no post anterior, para aumentar a nossa variedade (complexidade) nós:
Precisamos fazer a diferença que faz diferença4 em termos estruturais e/ou funcionais. Será que a gente percebe que quando lê os mesmos livros, participa dos mesmos treinamentos, tira as mesmas certificações e veste figurinos bem parecidos nós estamos reduzindo e não amplificando a nossa variedade? Se a intenção é aumentar a nossa complexidade - e deveria ser - o que estamos colocando de diferente na mesa?
Precisamos nos integrar, o que não significa simplesmente colaborar. Co-laborar, trabalhar junto, todo mundo trabalha. De um jeito ou de outro, mas trabalha. Integração, na bela definição do Mihaly, é bem mais que isso: é melhorar e ser melhorado. Significa aprender e evoluir coletivamente.
A esses trabalhos de amplificação e atenuação Stafford Beer deu o nome de Engenharia da Variedade. Na mesma página5, variando analogias para facilitar a compreensão de conceito tão novo, Beer escreve que está aqui a nossa PARTIDA DOBRADA: filtrar o que não importa, aumentar a variedade que interessa. Assim acontece o BALANÇO CIBERNÉTICO6.
Sem Folga / Com Folga
Já que isto aqui não é trabalho, não há razão para interromper as publicações nos próximos dias. Mas eu preciso dar uma folga ao tema e a você. O assunto - Abordagem Sistêmica, para quem tá distraído - não tem fim nem pressa. Mas eu preciso variar de vez em quando. Para não espantar a freguesia e também porque só a variedade absorve variedade.
Esses números - 8 bilhões x 140 bits - ainda variam bastante entre pesquisas e autores. Isso é normal, as neurociências ainda engatinham. Importante aqui é a diferença das ordens de grandeza, que se mantém constante nos melhores estudos.
Esta é a definição de Gregory Bateson para Informação: a diferença que faz diferença. Quero crer que não abuso nem desvirtuo seu uso neste ponto.
Mihaly Csikszentmihalyi! É óbvio que faço um copy-paste toda vez que preciso escrever esse nome. Pior é ter que pronunciá-lo numa aula ou palestra. Nunca arrisquei. Mas tentaram me ensinar que se fala Tic-Sent-Mi-Rái. Não tem erro, garantem. E quem vai saber?
Leia o item 2 acima.
Página 39 da primeira edição de The Heart of Enterprise (Wiley, 1979).
Eu devo confessar que não me lembro de ler Beer colocando esse balanço no contexto individual. Salvo vergonhoso engano, ele sempre aplica esses conceitos e ferramentas no nível de uma organização social. Mas, como ele mesmo lembra, tudo é ou pode ser visto e tratado como sistema. Que faz parte de outro que faz parte de outro sistema. Ao trazer esse papo de engenharia da variedade para um contexto bem pessoal eu espero estar facilitando a sua assimilação. Você me diria se eu estivesse redondamente enganado, certo?