Para Tomar pé da Situação
Segunda parte da pequena série sobre o sensemaking meio nonsense e livros muito ruins. Também tem a agenda de agosto e outra dobradinha artificial.
Não tem muito tempo que descobri que sensemaking virou uma disciplina. Teria até cinco escolas distintas1. A entrada na Wikipedia2 surrupia de alguns papas da matéria — Karl Weick et al. — a seguinte definição:
[Sensemaking é] o desenvolvimento retrospectivo contínuo de imagens plausíveis que racionalizam o que as pessoas estão fazendo.
Como pode ser divertido o lero-lero de cientistas sociais e aparentados. Impressiona essa capacidade de embromar e propor temas como se eles fossem inéditos. Tudo indica que essa patota está falando sobre como tomar pé de uma situação. IA do Google:
A expressão "tomar pé da situação" significa tomar conhecimento, inteirar-se ou compreender a fundo uma determinada situação ou problema. É uma forma coloquial de dizer que alguém está se informando sobre algo para entender o contexto completo.
Em medicina e serviços de consultoria esse trabalho é chamado de diagnóstico. Muita gente usa pesquisa, estudo ou análise. Lá fora, mais do que aqui, é bastante comum o uso do termo investigação (inquiry). Talvez o desgaste dessas palavras justifique a invenção do sensemaking. Para a pretensão de ineditismo e para as “imagens plausíveis que racionalizam”, não tem desculpa não.
Na Feira do Sensemaking
Uma das barracas mais famosas atende pelo nome de Cynefin3. Jurgen Appelo, numa colorida barraca nova4, escreveu o seguinte:
O framework Cynefin resume a realidade em cinco categorias bem organizadas: Clara, Complicada, Complexa, Caótica e Confusa. É um modelo simples, e a simplicidade pode ser útil, mas aqui está o problema: essa simplificação frequentemente induz as pessoas — sem querer, tenho certeza — a pensar que Complicado e Complexo são mutuamente exclusivos. Como J. Doyne Farmer5 e outros apontaram, muitos sistemas são, inconvenientemente, complicados e complexos ao mesmo tempo.
Os itálicos são meus. Porque eu não sei de onde ele tirou aquela certeza. E porque achei curioso o inconvenientemente.
Esse “dispositivo de sense-making” nos ajudaria a classificar dado sistema e a decidir sobre a abordagem mais adequada. Como já bati bastante na proposta (aqui e aqui), passo a palavra para Patrick Hoverstadt6:
Quando você categoriza qualquer sistema como "simples", "complicado", "complexo" ou "caótico", isso não é, na verdade, uma afirmação sobre a realidade do sistema em si, porque ele é tudo isso. Em vez disso, é uma afirmação sobre você como observador. As abordagens de classificação de complexidade não são um telescópio que você usa para ver o mundo melhor; são um espelho que lhe diz como você escolhe ver o mundo. Não há nada de errado em ter um espelho, desde que você perceba que o que ele está mostrando é uma imagem sua, não a realidade lá fora.
Recupero o papo porque tem novidade na feira. Jurgen Appelo, esquecendo ou renegando7 o que escreveu em Management 3.0, nos traz um novo “dispositivo de sense-making” em Human Robot Agent8. O modelo atende pelo nome de Wicked Framework e pelo pseudônimo MARVIS e é desenhado assim:
Appelo mostra que um sistema não só pode ser complicado e complexo ao mesmo tempo, mas também lúcido, linear, isolado e flexível. Ou então caótico, nebuloso, sublinear, simples, conectado e levemente acoplado. Ao mesmo tempo! São 729 combinações possíveis. Com certeza você encontrará uma que representa o seu sistema. Se precisar de ajuda, o que não falta nessa feira pós-moderna9 é barraca vendendo horas de sensemakers especialistas. O framework do Appelo tem tudo pra cair no gosto desse povo.
Perdão, prezada leitora e prezado leitor, pelo tom cínico. Eu não gastaria o nosso tempo com isso se o termo wicked não tivesse sido utilizado. Aliás, mal utilizado.
Ao explicar o que significa wicked, a exemplo do que fiz no último post, o autor lista as 10 características dos problemas que merecem o adjetivo. Se ele entendeu que esse tipo de problema é único, que “contexto é rei”, por que cargas d’água vende a ilusão de que seu “sofisticado” framework
“pode ajudar a criar estratégias mais ricas para a solução de problemas.” Que valeria mais do que “confiar em quatro ou cinco domínios genéricos”? Afinal, “Se identificarmos sistemas com perfis wicked comparáveis, nossa abordagem para confrontar problemas nesses sistemas também poderia ser semelhante?”
Trata-se da mesma esperança que levou Peter Senge a inventariar dezenas de arquétipos10. Acho que você precisa saber que neste mesmo parágrafo Appelo escreveu que
“é aqui, caros leitores, que eu me afasto, deixando esta emocionante exploração em suas mãos capazes.”
Passarei a régua aqui também. Mas só porque extrapolei o limite de mil palavras. Volto na próxima feira. Inté!

Agenda
E por falar em sensemaking, tirei o FAN da gaveta. Porque se torna a cada dia mais necessário relembrar que
Nosso negócio é muito mais sociológico do que tecnológico; Depende mais de nossas habilidades para conversar com gente do que das habilidades para interagir com máquinas.
O “nosso negócio” um dia significou TI e só. Acho que hoje vale para quase toda a feira. À agenda:
FAN Essencial: Conversas e Requisitos (12 horas. 6 encontros, 2 por semana)
Turma da Noite: 4 a 20/Agosto (Segundas e quartas, das 19:00 às 21:00)
Turma da Madrugada: 5 a 21/Agosto (Terças e quintas, das 7:30 às 9:30)
Sem Agenda
Já escrevi que anda bem mais difícil do que imaginei a formação de turmas para o Curso de Pensamento Sistêmico. Ainda tento descobrir as causas. Você pode me ajudar de duas maneiras (que também não são mutuamente exclusivas):
Esta dobradinha gerada via NotebookLM11 dá uma ideia de como o Pensamento Sistêmico pode nos ajudar a tomar pé de uma situação:
Cotações
Na ciência, quando o comportamento humano entra na equação, as coisas se tornam não lineares. É por isso que a física é fácil e a sociologia é difícil.
Imagine o quanto a física seria mais difícil se os elétrons tivessem sentimentos.
https://cynefin.io/wiki/Schools_of_sense-making (recuperado em 06/07/2025).
https://en.wikipedia.org/wiki/Sensemaking (recuperado em 06/07/2025).
https://en.wikipedia.org/wiki/Cynefin_framework (recuperado em 06/07/2025).
Human Robot Agent (Jojo Ventures, 2025).
Em Making Sense of Chaos (Penguin, 2024).
The Grammar of Systems: From Order to Chaos and Back (SCiO, 2022).
Em um evento ao vivo, tratando de complexidade e Pensamento Sistêmico, Jurgen disse não se lembrar de ter escrito que o Pensamento Sistêmico é “um pouco mais do que o pensamento determinista do século 19 num modelito do século 20.” (Management 3.0, p. 49).
No mesmo livro ele sugere um modelo Estrutura x Comportamento. No novo trabalho não há sombra nem citação da ideia.
Em um livro pensado para vender o maravilhoso mundo superpopulado por IAs, o autor dedica generosas páginas para conversar sobre agilidade, complexidade e outras coisas que seguem (inconvenientemente) na moda. Eu vivo reclamando dos pobres livros que enchem linguiça em torno de uma única ideia (geralmente fraca). Provavelmente influenciado por Ashby — só a variedade absorve variedade — Appelo vai no sentido oposto: o que não falta em seu novo livro são ideias. E listas de imperativos, fundamentos, princípios, valores etc.
Human Robot Agent é um livro cansativo. Cansa pelos excessos e pela quantidade de “you-should’s”. E cansa com um bate papo meio infantilizado com IAs que abre e fecha todos os 25 capítulos. Mas, veja só, em 07/07/25 o título tem nota 4,5 no Goodreads. Ou seja, eu não sei de nada.
Por favor, o Beto Guedes não tem nada a ver com isso. A Feira dele é moderna.
ps: Não, querida/o, eu não entendo nada do que ele fala na música. Eu não sei de nada. Eu nem li o jornal. E a distância já morreu. A paz na terra. Amém!
A Quinta Disciplina (Best Seller, 2019-1990), e em praticamente todos os trabalhos derivados deste.
A narração se baseou exclusivamente neste blog, na apostila do curso e na série de vídeos onde apresento a minha proposta. Ou seja, se houve mancada, ela é minha.