A ciência só avança na medida em que refuta hipóteses. A Ciência da Complexidade mal saiu do berço. Ela ainda não tem uma teoria para chamar de sua1. Mas está cheia de gente com certezas. Isso deveria pegar muito mal. Estranhamente, gera seguidores.
Ainda que não declarada, há uma guerrinha entre quem gosta das Ciências da Complexidade como definidas neste lado do Atlântico (especialmente, mas não exclusivamente, no Santa Fe Institute) e os fãs das escolas Europeias do Pensamento Sistêmico. Esse tipo de confronto é salutar e generativo até um certo ponto. As ciências da natureza são marcadas por confrontos que geraram conhecimentos fundamentais.
O estudo dos Sistemas Complexos tende a fazer vista grossa para a divisão entre exatas e humanas. Infelizmente, acaba contaminado pelas ambiguidades, paradoxos, vaidades e idiossincrasias das humanidades2. Uma postura em particular é comprometedora: o apego. Uma pessoa cola numa ideia e vai com ela para o caixão3. Isso não tem nada a ver com uma Atitude Científica4.
Ontem (sexta, 25/10) fui puxado para mais um debate do tipo Santa Fe x Europa5. Tudo porque o Jurgen Appelo sugeriu que um sistema pode ser Complexo e Complicado ao mesmo tempo. Parece que isso bate doído nos seguidores do Cynefin6. E faz salivar os detratores daquele modelo. Vou assumir este papel nos próximos parágrafos.

O quadrante mais bobo dessa matriz 2x2 com um buraco no meio hoje se chama Clear. Já foi Simple, Obvious e Know. Pois é, que coisa mais difícil essa de dar nome para domínios bestas. Desde sempre o Cynefin é apresentado em duas dimensões. Já se falou em Centralidade e Conectividade7. A figura acima trata de restrições e acoplamentos. Nova troca não solicitada de termos. Não importa. Porque todos falam de aspectos estruturais de um sistema. Está aqui a bananeira que leva às bananas descascadas no post anterior. Porque, veja bem, complexidade e caos têm a ver com o comportamento de um sistema, não com a sua estrutura. Há propriedades emergentes escapulindo de estruturas simples (de uma bactéria, um casal, um time de vôlei). Se pintou emergência, a fonte é complexa; O Sistema é Complexo.
Na Prática, qual é o valor disso tudo?
Os seguidores dizem que o framework Cynefin nos ajuda a escolher o conjunto mais adequado de práticas (melhor, boa, emergente…) uma vez etiquetado o domínio.
Em ciências, quando o fator humano entra na equação, as coisas ficam não-lineares. É por isso que física é fácil e sociologia é difícil.
O detrator aqui incorporado acha que todos os sistemas que nos interessam e pagam nossos boletos são complexos (não-lineares na beira do caos); Quase todos também são complicados (burocráticos, lerdos e com preocupantes déficits de atenção, empatia e inteligência). Grande parte das nossas organizações — tanto as públicas quanto as privadas — são assim: complexas por natureza e complicadas por falta de conhecimento e de jeito.
Na prática, esse entendimento pode fazer uma diferença e tanto.

GRAMÁTICA
Afinal, o que motiva os bitolados?
Ou seja, o que justifica o apego incondicional à algumas teses e ideias mesmo quando elas se mostram frágeis e/ou inúteis? Eu queria dizer que é só vaidade ou desumildade, o que dá no mesmo. Mas eu estaria cometendo um sério erro, uma avaliação não-sistêmica. Este é um bom momento para apelar para a nossa Gramática de Sistemas8. Vamos lá:
O comportamento (B) de uma pessoa é uma função de sua personalidade (P) e do ambiente (E).
B = f (P, E)
Ou seja, uma pessoa segue bitolada porque, de alguma forma, o ambiente estimula essa postura. Nós desenhamos ambientes e sistemas que prezam o compliance em detrimento da inteligência9 — da capacidade de aprender e se adaptar. Vamos atacar os sistemas, não os bitolados. E muito menos os beatles e beatniks10.
E a refutação dessa afirmação será muito bem recebida.
O que não é uma exclusividade das Humanas, é preciso dizer. As Ciências Exatas atravessam uma séria crise. Por isso, é crescente o número de pessoas que não acredita em vacinas, por exemplo. A falta de confiança nas Ciências, o diagnóstico e correções de rumo, são muito bem tratados em The Blind Spot: Why Science Cannot Ignore Human Experience, de Adam Frank, Marcelo Gleiser e Evan Thompson (MIT Press, 2024).
Thomas Kuhn escreveu que muitas ciências exatas só evoluem devidamente quando os pais de algumas ideias morrem e uma nova geração finalmente é liberada para pensar e divulgar os seus achados e perdidos. Mas esse tipo de apego ainda é mais notável nas humanas. Ou não?
A Estrutura das Revoluções Científicas, Thomas S. Kuhn (Perspectiva, 2013).
The Scientific Attitude: Defending Science from Denial, Fraud, and Pseudoscience, de Lee McIntyre (MIT Press, 2019).
Resumão: mais importante do que um (genérico e, portanto, inútil) Método Científico é a Atitude Científica. Atitude que pode ser resumida em dois traços apenas:
Respeito aos fatos; e
Humildade para reconhecer uma ideia melhor do que a sua.
Não deveria. Veja a nota imediatamente abaixo:
“The New Dynamics of Strategy: Sense-Making in a Complex and Complicated World”, de Cynthia F. Kurtz and David J. Snowden. IBM Journal of Research and Development 42, no. 3 (2003): 462–483.
Ora, ora, veja só: tem casca de banana até no título. O sistema MUNDO é reconhecido como Complexo E Complicado.
Esta equação e outras entradas que aparecerão neste finito não constam de The Grammar of Systems, de Patrick Hoverstadt (SCiO, 2022). Tomei a liberdade de fazer alguns adendos. Remendos, nunca. Adendos.
A frase parece sugerir que todo compliance é burro. Não é. Esbarramos aqui em um Balanço Essencial. Mantendo a terminologia sugerida por Ivo Velitchkov, trata-se do balanceamento entre Coesão e Autonomia. Compliance garante coesão (integridade, alinhamento). Inteligência — a capacidade de aprender — requer autonomia.
Taí, consegui citar Ira! (no título) e Engenheiros do Hawaii num único post. Décadence avec élégance, diria Lobão.