Quando a Definição do Problema é O PROBLEMA
Primeira parte de uma pequena série sobre um sensemaking meio nonsense, livros ruins e gatos carregados pelo rabo.
Eu preciso apontar para um post antigo e pedir: vai lá, por favor
O Problema não é o Problema
Aqui está a melhor definição que você encontrará para Problema: uma lacuna no conhecimento que vale a pena, segundo se julga, ser preenchida. (Mario Bunge)
Muito obrigado! Encerrei aquele texto dizendo que o nosso interesse neste finito é por “problemas que exigem o desenvolvimento de novos conhecimentos”. A sequência enfatizou esse desenvolvimento. É hora de retomar a série para falar um pouco mais sobre esse tipo de problema que sempre “envolve incertezas, complexidade e gente”.
Malvados e Mansos
Por causa das traduções sugeridas no subtítulo acima, eu sempre evito o uso dos termos wicked e tamed. Convenhamos, soaria meio estranho dizer para um cliente que dado problema lhe tira o sono porque é “malvado”. O criador dessa classificação1, Horst Rittel, pretendia que wicked significasse maligno, vicioso, complicado (tricky), ou agressivo. A palavra deveria funcionar como o exato oposto de tamed: domado, mansinho, sob controle.
Um parágrafo para quem curte história:
Estamos no final da década de 1960. Também é o final da era de ouro da Análise de Sistemas. Depois de notáveis sucessos em projetos da NASA e similares, a primeira geração da Abordagem Sistêmica — caracterizada por ser científica, racional, técnica, quantitativa, hard — começa a mostrar suas limitações. Rittel, então professor da Universidade de Berkeley, diz que essa geração foi bastante eficaz ao lidar com problemas domados (tamed), mas é totalmente inofensiva e inadequada se o problema em questão for selvagem (wicked). A questão exige atenção e seriedade porque, ainda segundo Rittel,
TODOS os nossos problemas são wicked2.
Nós ainda acertaremos as contas com o TODOS. Antes, é preciso entender que problemas wicked têm as seguintes características:
Sua definição é impossível.
Cada tentativa de definição é uma sugestão de solução e vice-versa.
Nenhuma solução é final. Sempre haverá pendências.
As soluções não são verdadeiras nem falsas. São boas ou ruins.
Cada alternativa de solução representa uma oportunidade única que não pode ser validada previamente. Tentativa-e-erro não vai rolar. Rollback também não.
Não há uma listinha previamente elaborada de alternativas de solução e muito menos uma receita de bolo. Porque…
Cada problema wicked é essencialmente único.
Cada problema wicked pode ser visto como sintoma de outro problema.
Problemas wicked evoluem. Sem parar. Agora, a cereja do bolo:
O desenhista de eventual solução não tem o direito de errar.
Você encontrará variações dessa lista. Insignificantes. Porque importante é o choque que ela causa. Se você não ficou chocada/o, releia3.
Sentido Prático
Há quem tenha tempo e paciência para debater cada item da lista acima. Rittel, pelo que seus escritos entregam, não tropeçava em dogmas nem entrava em debates filosóficos. Ao separar e qualificar os problemas wicked, ele foi direto:
Os nossos problemas não são técnicos, são políticos. Um processo argumentativo é chave e provavelmente o único possível quando lidamos com problemas wicked.
Que cada parte interessada em dada questão — que todos que têm a pele em jogo — participem do processo. Que não se crie a ilusão de um objetivo único. Mas que todos trabalhem no sentido de desenvolver um entendimento compartilhado da situação. “Posso não concordar com você; Mas entendo suas colocações.”
Obviamente, há outras maneiras de domar problemas selvagens. No curtíssimo prazo, com sprays de pimenta, chicotes e cassetetes. Em médio e longo prazos, deixando todo mundo burro. Considerando que estas não são opções no cardápio dos nobres leitores deste finito, continuaremos o papo.

Cotação
O homem que carrega um gato pelo rabo aprende algo que ele não aprenderia de nenhuma outra maneira.
Dois trabalhos recentes, Do systems exist?: A conversation, de Adam Walls e John Flach (Independente, 2025) e Human Robot Agent, de Jurgen Appelo (Jojo Ventures, 2025) creditam, erroneamente, C. West Churchman como o criador da diferenciação Wicked | Tamed. Descobri agora (24/06/25) uma extensão da controvérsia.
Estranha controvérsia, porque é o próprio Churchman, em artigo de 1967, quem credita Rittel como o autor original do conceito. Não se trata apenas de batizar a ideia, mas de explicar a diferenciação. E quanto a isso, não resta dúvida de que o autor é o “Cientista do Design” alemão Horst Rittel.
On the Planning Crisis, artigo publicado originalmente em 1972. É um dos capítulos da excelente coletânea The Universe of Design: Horst Rittel's Theories of Design and Planning, de Jean-Pierre Protzen e David Harris (Routledge, 2010).
Curioso é que foi através de outro artigo, Dilemmas in a General Theory of Planning, escrito a quatro mãos com Melvin Webber e publicado um ano depois, que os problemas wicked ganharam palco e fóruns. Parece ser um marco em Ciências Sociais e Políticas. Assim como parece passar batido em nossas searas negociais e informáticas… pra variar.
Se permanece impassível, com carinha de “e daí?”, por favor, não me conte seu segredo.