Você se lembra da Valsa do Ackoff? É uma heurística que nos ensina a investigar1 sistemas dando um passo para cima e dois para baixo. Começamos pelo estudo das relações do sistema com o seu ambiente. Depois, nos passos para baixo, estudamos estrutura e comportamento, as partes e suas diversas relações. Ao usar o VSM, seja para desenho ou para diagnóstico, a valsa segue inalterada. E com uma vantagem:
Se um sistema viável contém um sistema viável, então a estrutura deve ser recursiva.
Eu sei, parece pegadinha. Porque foi o próprio Beer quem afirmou que todo sistema viável contém sistemas viáveis e está contido num. Portanto, todas as estruturas deveriam ser recursivas. A natureza sabe disso. A turma que desenhou o SAFe não faz ideia do que estamos falando.
Se a estrutura é recursiva, então encontraremos similaridades em qualquer nível, abaixo ou acima — não importa. Esta é a vantagem, a invariância. Podemos usar o mesmo modelo — a mesma ferramenta — para desenhar ou estudar qualquer tipo de organização e qualquer parte dela.
Vamos imaginar uma pequena empresa com apenas dois centros de lucros, duas operações. Elas são representadas pelos círculos acima. Essas são as únicas partes do negócio que criam e entregam valor para o mundo lá fora (no ambiente que estaria representado no lado esquerdo do diagrama), ou seja, que realizam o propósito daquela empresa.
As linhas finas em diagonal mostram as relações da operação com a gestão. Cada um desses pares é um sistema viável, ou seja, é capaz de uma existência autônoma. Se cortarmos todos os três vínculos3 com o nível acima, ainda assim esse sistema seria capaz de sobreviver e prosperar. Encontramos o nosso primeiro sistema dentro do VSM. Não por outro motivo, o seu nome é SISTEMA 1.
No exemplo rabiscado acima temos dois SISTEMAS 1. Lembrando: o VSM é formado por cinco sistemas. Já sabemos os nomes deles. E podemos intuir onde eles estão representados no diagrama.
Voltando ao tema de hoje, a recursividade - o “princípio da invariância organizacional e interacional”4 - e à Valsa do Ackoff. Você entende que o nosso rabisco está mostrando três níveis de recursão? As linhas grossas indicam o sistema em estudo. Para darmos um passo para baixo, é preciso selecionar um dos dois SISTEMAS 1. Repare que ambos possuem uma estrutura similar àquela usada no nível acima. Tanto que também têm, neste exemplo, apenas dois SISTEMAS 1. Se há uma coisa em um diagrama VSM que muda, e muito, entre organizações e negócios, é a quantidade de Sistemas 1. Pense em filiais, subsidiárias, agências bancárias ou dos correios5, unidades de uma federação ou times no Spotify, por exemplo.
E o nível acima, onde está? Aquelas linhas pontilhadas estão ali só para te mostrar isso. Você entende que o que está fora delas é um novo círculo, certo?
Para cima ou para baixo, não importa. Se estamos lidando com um sistema viável, sempre daremos de cara com um SISTEMA (círculo) e seu META-SISTEMA (quadrado).
Desenhando Sistemas Complexos
O correto entendimento do Princípio da Recursão (ou Princípio Fractal) é fundamental se a nossa intenção é desenhar um novo sistema, um novo negócio viável. Ele, o princípio, será mais e melhor (espero!) trabalhado nos posts que vêm por aí. E será melhor aproveitado se você compreender que:
Um sistema complexo que funciona invariavelmente evoluiu de um sistema simples que funciona. A proposição inversa também parece ser verdadeira: um sistema complexo concebido do zero nunca funciona e não pode ser posto a funcionar. Você tem que recomeçar com um sistema simples que funciona.
Fala-se bastante sobre escala, resiliência, antifragilidade… Essas conversas seriam mais ricas e produtivas se fossem baseadas em um bom entendimento do princípio da recursão e seu papel fundamental na evolução dos sistemas complexos.
Gabarito
Respostas para os exercícios propostos no post anterior:
Reduzindo. A.
Amplificando. B e/ou D.
Em relação ao desafio proposto na Errata, está faltando a ligação entre um triângulo e um quadrado (os nomes corretos desses componentes aparecerá em breve. Por enquanto, não tenho outra forma de me referir a eles).
Atenção: o diagrama de hoje também tem um erro. ¯\_(ツ)_/¯
Cotação
Para entender recursão, é preciso primeiro entender a recursão.
Este verbo, investigar, merecia ser um tanto mais comum do que analisar. Se estamos de fato Pensando em Sistemas, nunca estamos apenas analisando.
Brain of the Firm - Second Edition (Wiley, 1981).
O VSM está sugerindo que em qualquer empresa, de qualquer ramo ou porte, há sempre e apenas três vínculos entre uma unidade básica (SISTEMA 1) e os níveis superiores (META-SISTEMA)?
Sim.
The Heart of Enterprise, de Stafford Beer (Wiley, 1979).
Peralá: agências bancárias seriam capazes de uma existência autônoma?
Por que não?
Systemantics: How Systems Work & Especially How They Fail (Times Books, 1977).