O que é que a gente tem na cabeça quando pensa em sistemas?
O TODO, com certeza. Se o tema é o Pensamento Sistêmico, não demora até alguém sugerir que na cabeça a gente tem o TODO1. O que não se explica é a natureza desse TODO. Todo o quê? Onde começa? Quando acaba? Aliás, ele acaba? Aristóteles, lá de longe, aumentou a confusão: “o TODO é maior do que a soma das partes”. Zero em matemática. Mas quem disse que ele estava fazendo contas?
Acontece que o TODO exibe umas coisas que a gente não consegue explicar olhando apenas para as suas partes. Isso é um pesadelo para o reducionista. Pegue a água, por exemplo. Nem o hidrogênio e nem o oxigênio explicam a forma da água. Ouça uma bela canção. Nenhuma nota por si sol merece o crédito pelo adjetivo bela. Pense na vida, oras. A vida é o melhor exemplo de EMERGÊNCIA - de uma característica que não pode ser atribuída a nenhuma parte de um corpo. De um TODO. Entendido Aristóteles, que tal, a partir de agora, trocar TODO por SISTEMA?
A propriedade emergente - aquilo que nasce, brota, cai, exala ou resulta de um sistema - é percebida um nível acima, no AMBIENTE. É assim que a gente chama aquele sistema maior do qual o sistema em estudo faz parte. Pense em você como o sistema em questão. No nível acima podemos encontrar a sua família, o seu trabalho, seus vizinhos, colegas da escola ou a torcida do Corinthians. Lembre-se: na Abordagem Sistêmica, tudo é um sistema ou parte de um.
Aprenda a ver. Perceba como tudo se conecta a todo o resto.
[INTERLÚDIO: é a partir deste ponto que a apresentação da Abordagem Sistêmica somente com letras e números vira um desafio e tanto. O tema berra para ser desenhado e libertado dessa coisa linear que é a palavra escrita.]
Pois é, um sistema participa de vários ambientes simultaneamente. É o motivo da nossa investigação que nos ajuda a desenhar o escopo, a descobrir e delimitar FRONTEIRAS. Um sistema mantém fronteiras físicas, lógicas, espaciais, temporais, funcionais e conceituais com seus vizinhos de nível. Um sistema mantém fronteiras físicas, lógicas, espaciais, temporais, funcionais e conceituais em suas entranhas - entre as suas partes.
Vistas em conjunto, como em uma fotografia, as partes e as suas relações nos mostram a ESTRUTURA de um sistema2.
Vistas em conjunto, como em um filme, as partes e suas relações revelam o COMPORTAMENTO de um sistema. Essa dinâmica se dá na forma de laços de fidbeque. E é desse comportamento que nascem (ou brotam, caem, exalam…) as propriedades emergentes de um sistema.
A propriedade emergente - aquilo que nasce, brota, cai, exala ou resulta de um sistema - é percebida um nível acima, no AMBIENTE. É assim que a gente… (volte 6 parágrafos)
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A ANÁLISE DE SISTEMAS3 resumida acima é uma dança4. Uma valsa. A Valsa do Ackoff5: Um para cima, dois para baixo.
Temos que sair da ilha para ver a ilha.
Dado um sistema ou situação, damos uma passo para cima para entender o contexto. O povo lá de fora adora falar em big picture ou helicopter view. Por aqui, há tempo, eu uso uma fotografia com 2 km de extensão e 2 cm de profundidade. Importante é saber que com este passo nós queremos entender como o sistema em questão se relaciona com o seu ambiente. Crucial é compreender que essa relação se dá a partir do que emerge do sistema.
Damos dois passos para baixo para estudar a estrutura e o comportamento do sistema6.
[2º INTERLÚDIO: Preciso dessa pausa para dizer que a valsa não é receita de bolo. Preciso dessa pausa para alertar que o número de passos para cima ou para baixo pode variar de acordo com o sistema ou situação em estudo. O movimento sugerido - 1↑2↓ - é apenas uma referência, um ponto de partida.]
Sistema, Emergência, Ambiente, Fronteiras, Estrutura e Comportamento. Se não perdemos o fio da meada, é o que temos na cabeça quando pensamos em sistemas. Só isso? Não, faltam dois itens.
Todo sistema tem uma HISTÓRIA. Como ele chegou até aqui? São muito raros os trabalhos que nos dispensam de conhecer a história de um sistema.
Por fim, mas não menos importante: tudo isso - sistema, emergência, ambiente, fronteiras, estrutura, comportamento e história - foi descoberto e descrito pela ótica de quem? Se mudarmos a PERSPECTIVA, o que muda?
A abordagem sistêmica começa quando você passa a enxergar o mundo pelos olhos de outra pessoa.
Talvez seja uma baita irresponsabilidade a tentativa de resumir a Abordagem Sistêmica com mil palavras e nenhuma imagem. Confesso que, no fim do caminho, abri mão de outra restrição auto-imposta: evitar citações. Era só um exercício que eu precisava fazer. Porque ainda busco a melhor maneira de apresentar a Abordagem Sistêmica. Não é um desafio trivial.
O Pensamento Sistêmico não gosta de ser quebrado em títulos e capítulos e prefere ser visto como um TODO.
-Peter A. Barnard
Daqui até a conclusão (equivocada) de que Sistêmico é sinônimo de Holístico basta um pulinho.
E desconfio que eu deveria ter falado sobre AUTO-ORGANIZAÇÃO em algum lugar por aqui…
Um trabalho que guarda vaga (distante, mínima, irrisória) semelhança com o que se chama hoje de Análise de Sistemas, infelizmente. Para evitar mal entendidos, pretendo usar Investigação (inquiry) nas próximas vezes que precisar citar esse trabalho.
Obrigado, Donella Meadows! Dancing with Systems é o título de um artigo dela publicado na Whole Earth ( Edição 106, de 2001 - acessado em 04/12/2023).
Com uns 15 anos de atraso, finalmente merecemos uma edição tupiniquim do livro póstumo de Donella, Pensando em Sistemas (Sextante, 2022).
Obrigado, Russell Ackoff! A inspiração para a “valsa” não veio diretamente de um texto do Ackoff mas da citação feita por Patrick Hoverstadt em The Grammar of Systems: From Order to Chaos & Back (SCiO, 2022). Obrigado, Patrick!
Neste ponto é interessante observar que um reducionista tradicional só trabalha neste nível e geralmente só se ocupa da parte estática, da estrutura. Na zona de conforto desse sujeito tem um organograma ou um diagrama de classes. Quando muito, você acha um fluxograma. Bem determinista, esperançosamente um “caminho feliz”.