Quase não faz mais diferença se estamos tratando do mês que vem, do ano seguinte ou da próxima década. Está difícil enxergar o que vem por aí. E essa dificuldade parece geral e irrestrita - não importam a idade, classe, ocupação ou as preocupações do observador. Dadas a pouca visibilidade e a sobrecarga de incertezas, o que podemos fazer?
Aprender. Aprender mais e melhor. Saber aprender individualmente e em equipe. Se concordamos nesse ponto, pinta outra pulga: nós sabemos aprender?
Como é que a gente sabe que sabe aprender? Não vamos confundir esse aprender com o jeito tradicional de estudar que quase sempre significa uma decoreba obsessiva. O resultado do aprender decorado é frágil e efêmero. Dura o suficiente para realizar seu objetivo mais comum: passar num teste. Falo aqui sobre aquele aprendizado que dura uma vida toda. Como ele acontece? Por que ele dura?
Todo aprendizado que foi carimbado com uma forte emoção ficará para sempre conosco. Traumas são assim. Há emoções positivas tão fortes quanto. É possível provocá-las para fins de aprendizado? Isso seria viável? Seria estranho e cansativo, para dizer o mínimo.
Por outro lado, é bem pouco provável que a aprendizagem ocorra em um processo com carga emocional neutra ou um pouquinho negativa - na embaraçosamente comum aula chata. Porque parece difícil que você queira pagar por essa pasmaceira com seu bem mais precioso: a sua atenção1. Ainda mais numa era repleta de coisas brilhantes, barulhentas e perfumadas brigando por alguns segundos dos seus sentidos.
Apesar das tentações, o conteúdo e/ou o professor mereceram a sua atenção. No entanto, você apenas assistiu - consumiu passivamente, ainda que atentamente, tudo o que foi falado e mostrado. Nesse caso também é pouco provável que o conhecimento perdure. Faltou, de sua parte, algum tipo de engajamento. Nem que fossem rabiscos e notas soltas num caderno. Se não nos envolvermos imediatamente com o que está sendo ensinado aumentamos as chances de esquecê-lo em poucas horas ou dias. Bons professores sabem instigar e orientar o engajamento. Mas não podemos depender apenas deles.
Dependemos dos professores, instrutores, mentores e afins em outro ponto: no fidbeque2. Precisamos saber se e como estamos evoluindo. Uma autoavaliação não basta. E o fidbeque de quem está no nosso nível, por rico que seja, pode não ser suficiente.
É neste ponto que a tal gamificação pode prestar um desserviço e tanto. Quando o fidbeque se dá na forma de um simples placar estamos sonegando ao aprendiz informações sobre seus pontos fortes e fracos. Ganhar um prêmio por ter atingido determinado nível não diz nada de objetivo acerca do que foi realmente aprendido. E isso fica muito pior quando os jogadores são comparados em um ranking. A partir desse momento há o imenso risco da pessoa parar de aprender e se concentrar em atividades que a farão subir no ranking3.
É preciso dizer: a gamificação é como o melzinho na chupeta.
Veja bem, nosso conteúdo é enfadonho e inútil. A mais pura bullshit, diria um gringo. Mas a nossa burocracia depende que você fique bom nisso. Então, saca só: nós vamos colocar uma roupagem moderninha na coisa - vamos fazer um joguinho! - para merecer a sua atenção e o seu engajamento. Os três primeiros colocados ganharão duas pamonhas e um tapinha nas costas.
A evolução nos equipou de forma a fazer do aprendizado um prazer. Recebemos generosas doses de dopamina quando aprendemos algo novo. Assim nos adaptamos. E foi assim que chegamos até aqui. Se o tema de fato nos interessa, não precisamos de nenhum tipo de subterfúgio ou chantagem para mergulhar nele.
Os Quatro Pilares do Aprendizado que Fica
Atenção, Engajamento e Fidbeque. Falta apenas uma peça nesse tabuleiro (!): a Consolidação. Ela envolve a prática, que pode durar de alguns minutos até dez mil horas4! Se estamos falando de uma habilidade coletiva, então a consolidação se dará através de ensaios ou treinos. Repare: a aprendizagem não termina numa sala de aula. É onde experimentamos, praticamos, esticamos e quebramos aquele conteúdo que o aprendizado enfim se consolida. É importante notar que o sono exerce papel fundamental nesse processo. É dormindo que fazemos uma bela faxina em nossas cucas, jogando fora as bullshits e colocando o que importa em lugares bem especiais.
Cada pessoa e cada time vai desenvolver seu jeito de aprender. A compreensão dos componentes fundamentais da aprendizagem - como os quatro pilares apresentados acima5 - tende a orientar e fortalecer os processos de aprendizagem.
O analfabeto do século 21 não será aquele que não sabe ler nem escrever e sim o que não sabe aprender, desaprender e reaprender.
Em inglês é assim que se fala: pay attention, pagar atenção. Parece mais eficaz do que o nosso prestar atenção ao mostrar que há uma troca acontecendo.
O Duolingo é um bom exemplo disso. Ele tem sessões (opcionais) de combinação de pares, por exemplo. São palavras simples e curtas que devem ser ligadas às suas traduções. Você joga contra o relógio. E pode pontuar mais do que conseguiria completando uma lição. Nessa e em outras partes daquele louvável joguinho o aprendiz é tentado a se desviar de seu objetivo só para aparecer bonito num placar. Um desserviço, eu acho.
Malcolm Gladwell indica esse número, dez mil horas, como o esforço necessário para que uma pessoa se torne Fora de Série - Outliers (Sextante, 2011). Nem toda habilidade precisa ou merece isso.
Stanislas Dehaene apresentou esses quatro pilares no livro É Assim que Aprendemos (Contexto, 2022).