O VSM — Modelo do Sistema Viável — tem a fama de ser complicado, complexo ou “totalmente inacessível para meros mortais1”. Exageros à parte, a fama não é de todo injusta. O descobridor2 do modelo, Stafford Beer, precisou de três livros para explicá-lo. E há quem diga que ele não foi bem sucedido. Ainda que a escrita de Beer não fosse exigente, a proposta continuaria sendo um desafio. Porque ela é diferente de tudo o que conhecemos sobre o desenho de organizações.
O VSM não é uma invenção. Ele é uma descoberta. Stafford Beer, polímata inglês3, partiu da seguinte questão: o que torna um sistema viável, ou seja, capaz de uma existência independente4? Beer buscou esses elementos na gente e em nossas organizações. E compilou as suas descobertas em um modelo.
O VSM descreve o que é necessário e suficiente para que um sistema sobreviva e prospere em seu ambiente, para que ele seja viável.
Nenhum sistema é uma ilha. E todo sistema viável mantém uma relação contínua com o seu ambiente5. O conjunto responsável por essas interações é chamado de SISTEMA 1. As unidades operacionais que o compõem são representadas na horizontal e formadas por três elementos: ambiente, operação e gestão. No diagrama acima temos, como exemplo, três unidades. Suas operações podem ser filiais, fábricas, agências ou subsidiárias — ou seja, qualquer conjunto de atividades voltado para a criação e/ou distribuição de riqueza. A estruturação dos componentes do SISTEMA 1 pode seguir os mais diversos critérios: perfil dos clientes, geografia, produtos, tecnologia etc. É através do SISTEMA 1 que uma organização entrega ou tenta entregar o que promete — realizar o seu propósito. E é sempre bom lembrar outro caro ensinamento de Stafford Beer: O propósito de um sistema é o que ele faz6.
As fronteiras que projetamos no ambiente — nicho, mercado, região etc. — são permeáveis, ambíguas e dinâmicas. Esses conjuntos se sobrepõem e interagem das mais diversas formas e com as mais variadas intenções. Por isso o diagrama reconhece a existência de um CANAL 07. Um canal que está fora do nosso controle.
As operações trocam ideias e recursos. Os produtos de uma podem ser entradas de outra operação, por exemplo. Todas as interações entre as operações se dão através do CANAL 1. Um canal difuso que não raro é usado de maneira informal, o que explica o traço errático.
A existência de duas ou mais unidades operacionais faz com que sejam necessários mecanismos de coordenação. O SISTEMA 2 procura garantir os necessários níveis de padronização e integração do SISTEMA 1. Essas regras e dispositivos são comunicados e distribuídos através do CANAL de comunicação número 2.
As regras e padrões estabelecidos no SISTEMA 2 são necessários mas não são suficientes para garantir coesão e eficiência das unidades operacionais.
Precisamos do SISTEMA 3, aquele que se ocupa do desempenho do todo, da eficiência da organização. A sua posição lhe dá uma boa perspectiva. Que não é holística. É sinóptica. Porque é impossível apreender o TODO em todos os detalhes. É muita areia para o caminhãozinho do SISTEMA 3, por poderoso que ele seja8. Seria variedade de mais. A visão sinóptica compreende só o que é importante — a diferença que faz diferença; A variedade que os SISTEMAS 1 e 2 não absorveram por falta de capacidade ou de autonomia.
Dada a potencial variedade que pode emergir do SISTEMA 1, três canais de comunicação se fazem necessários. Pelo primeiro, o CANAL 3a, trafegam todas as negociações e alocações de recursos. Através dele são decididos orçamentos e contrapartidas. Nele as unidades operacionais recebem os recursos necessários para cumprir seu papel.
Quando necessário, o SISTEMA 3 busca coesão baixando comandos e regras através do CANAL 3b. Esse cara é como um juiz de futebol: quanto menos ele aparecer, melhor9. Mas o que pode nos sinalizar problemas no SISTEMA 1? Os relatórios apresentados pelos seus gestores seriam suficientes? Não. Auditorias esporádicas são necessárias. Inspeções que pulam a gestão das unidades operacionais, conversando diretamente com as operações. Isso é gemba walk. É o uso do SISTEMA 3* e respectivo CANAL 3*. O pontilhado no diagrama sugere intervenções ocasionais e/ou oportunistas. O uso correto desses componentes dá ao pessoal das operações a chance de interagir diretamente com a alta gestão.
O SISTEMA 3 é necessário e, somado aos SISTEMAS 1 e 2, suficiente para lidar com o aqui e agora. Mas nenhum sistema é viável quando não cuida do futuro.
Por isso precisamos do SISTEMA 4. É ele que olha para os dois lados antes de atravessar a rua. É ele que filtra tendências em busca de apostas seguras. É ele que conduz experimentos, faz pesquisas de mercado e buscas por novos talentos. É ele que embute spikes num backlog. Enfim, é o SISTEMA 4 que se ocupa do lá fora, amanhã.
É ou deveria ser óbvio que essa exploração (exploration) promovida pelo SISTEMA 4 se choca com os usos (exploitation) feitos pelo SISTEMA 310. Essa tensão criativa é vital. O que não significa que seja simples ou trivial. Quase nunca é. Por isso ela é mediada pelo SISTEMA 5. Veja bem: há 100 contos na mesa; Quanto deve ser investido na operação?; Quanto merece uma pesquisa?
Engana-se quem entende o SISTEMA 5 como um supremo juiz. Mais que separar brigas, ele tenta evitá-las ditando rumos. Partem do SISTEMA 5 as decisões que nos poupam centenas ou milhares de outras decisões. Por isso ele é comumente apresentado como o módulo normativo do VSM. Ciberneticamente falando, o SISTEMA 5 encerra o papo.

Cotação
Para cada bicho de sete cabeças, tem sete sem nenhuma.
Como sugeriram David Komlos e David Benjamin em Cracking Complexity (Nicholas Brealey, 2019).
O VSM é produto de uma descoberta cibernética. Ele não é uma invenção. E sua representação gráfica copia o nosso sistema nervoso central.
Desconfio que Beer não gostaria do título polímata. Ele se apresentava como um ciberneticista.
Segundo definição traduzida do Oxford Dictionary.
Mantém um Acoplamento Estrutural, segundo os ensinamentos de Maturana e Varela.
[O propósito de um sistema é o que ele faz], não o que promete através de declarações de missão, visão e valores, por exemplo. A eficácia de uma organização é aferida e julgada no ambiente pelos mais diversos participantes desse ambiente. É por isso que um NPS preenchido apressadamente por um cliente não diz quase nada sobre a eficácia de uma organização.
Eu tomei a liberdade, talvez indevidamente, de renomear os canais. Minha única intenção é facilitar a compreensão. Os nomes dos canais não são, por incrível que pareça, tão triviais quanto os nomes dos sistemas que formam o VSM. Em Diagnosing the System for Organizations (Wiley, 1985), Beer os chama, da direita para a esquerda, de: IV, VI, III, II, I, V. Eu preferi relacioná-los diretamente com seus respectivos sistemas. Insisto: posso ter cometido algum pecado cibernético.
E é impressionante como tem gerente que não aceita isso de jeito nenhum.
Para fins de diagnóstico: quanto mais ele, o CANAL 3b, for utilizado, maiores os indícios de falhas no desenho e/ou no funcionamento dos SISTEMAS 1 e 2.
Coloquei os termos em inglês para mostrar a dificuldade em descobrir uma boa tradução para exploitation. Uso, minha escolha, não a representa bem. Mas o abuso seria exagerado. Não?