Esteja onde estiver, um sistema terá companhia. Seja de que tamanho for, o sistema sempre será parte de algo maior, de um AMBIENTE.
Sistema e ambiente são conceitos relativos; eles não nos são ‘dados’, mas impostos por nós através da nossa própria percepção. Portanto, podemos ampliar ou contrair qualquer um deles. Nossa tendência é contraí-los para reduzir os problemas a um tamanho administrável1. Isto pode muitas vezes impedir qualquer solução, principalmente uma boa solução.
Não é por acaso que muita gente boa acha que desenhar fronteiras - definir onde começa e termina um sistema — é uma arte2. Ao fixar fronteiras nós definimos identidades e decidimos quem ou o que está dentro e fora. Não preciso dizer o quanto isso pode ser crítico ou até traumático toda vez que tem gente envolvida.
Ambiente e sistema mantêm um relacionamento dinâmico — eles coevoluem. O ambiente está sempre mudando. O sistema deve acompanhá-lo. Acabamos de encontrar o Teorema da Sobrevivência do Sistema. Ele nos ensina que, para sobreviver, a velocidade de mudanças em um sistema deve ser maior ou igual a velocidade das mudanças no ambiente: ∆S ≥ ∆E
. Esse teorema explica tanta coisa ruim dos dias de hoje que nem te conto. Hoje, não.
Porque, já que toquei no teorema, mal não fará apresentar uma lei tão dramática quanto, a Lei de Ashby3 ou Lei da Variedade Requerida. Ela nos diz simplesmente que “só a variedade destrói absorve variedade”4. Não se deixe enganar pela aparente simplicidade do imperativo. Leia novamente: só a variedade absorve variedade. “Essa lei está para a Administração assim como a Lei da Gravidade está para a Física5”. Imagine um curso de física que ignore a gravidade. Então… nossos cursos de Administração ignoram Ashby. De Administração e todos os outros. Não deveriam e eu vou tentar explicar o porquê.
Variedade é uma unidade de medida. Ela mede o número de estados que um sistema pode assumir6. Um interruptor tradicional de luz, por exemplo, apresenta dois estados possíveis: ligado e desligado. Imagine agora o outro extremo: o número de estados possíveis do mercado onde você atua, por exemplo. A variedade parece infinita, né?
Lá no início do início da indústria automobilística, Henry Ford reduziu a variedade na base da força que só um monopólio tem: “os clientes podem escolher a cor que quiserem para os seus carros desde que seja preta”. Logo depois vieram os concorrentes e o resto é história.
Como é possível governar um país que tem 246 variedades de queijo?
Nenhum sistema tem condições de absorver toda a variedade que vem do ambiente. É como se a gente tentasse apreender tudo o que nos chega por todos os cantos, em todos os sentidos. É impossível e o nosso corpo lida muito bem com isso. Dos 8 bilhões de bits que nos bombardeiam a cada segundo, retemos algo em torno de 140 bits. Só isso. O resto — seja um cheiro, som, reflexo, cor, sabor ou gente bonita — passa batido. Só fica aquilo que mereceu a nossa atenção.
A maneira como organizamos nossas escolas e empresas é uma resposta para toda a variedade à qual elas estão expostas. A hierarquia, a estrutura predominante nessas organizações, filtra variedade e encaixota o que passa. O dito “tapar o sol com uma peneira” raramente funciona tão bem.
Porque sobra muito espaço entre as caixinhas - entre as disciplinas das escolas, entre as funções e áreas de uma empresa, entre os nichos de mercado. Eu não estou apelando para a metáfora das caixas para engatar um velho clichê. Você não merece. Mas eu preciso dizer que é nos vãos entre as caixas que nós descobrimos as melhores oportunidades8. E é ligando as caixinhas que nós criamos valor9.
São tantos conceitos esprimidos10 (no sentido de concentrados mesmo) que acho que merecemos uma breve revisão. Estamos falando da relação dinâmica entre Ambiente e Sistema. Aprendemos que a velocidade das mudanças em um sistema deve ser maior ou igual à velocidade das mudanças no ambiente. E acabamos de ver que a variedade — o número de estados possíveis de um sistema — deve bater com a variedade do ambiente. São questões de sobrevivência de um sistema ou, melhor dizendo, de viabilidade de um sistema.
Descobrimos um teorema (da Sobrevivência) e uma lei (da Variedade Requerida). Acabamos de tropeçar em um princípio, o Princípio da Viabilidade.
[continua]
Reducionistas sim, e quem não é?
Toda vez que algo é carimbado com a hashtag #Arte eu tendo a interpretar como: “não há nada de ciência ali”. Pois é, como todo pré-conceito, é uma atitude besta e perigosa. Russell Ackoff, por exemplo, publicou The Art of Problem Solving (Wiley, 1991). E tem muita ciência ali.
Por falar em fronteiras, é importante destacar que Boundary Critique é uma das diversas linhas de desenvolvimento da Abordagem Sistêmica. E que essa entrada na Wikipedia não faz jus ao tema.
Tem esse nome porque foi descoberta por W.Ross Ashby, um dos pioneiros da Cibernética.
Na redação original, Ashby escreveu que variedade “destrói variedade”. Todo mundo que veio depois dele optou por “absorve variedade”.
Stafford Beer, outro pioneiro da Cibernética, escreveu mais ou menos assim em mais de um livro. Fiquemos com The Heart of Enterprise (Wiley, 1979).
E eu sigo teimosamente evitando usar o termo Complexidade nesta curta série. Uma hora eu explico.
Ex-presidente francês, como citado em Large-Scale Scrum, de Craig Larman e Bas Vodde (Addison-Wesley, 2017).
Charlie Munger, bilionário que partiu para uma melhor dias atrás, também tinha algo a dizer sobre caixinhas e fronteiras: “Não prestei atenção aos limites territoriais das disciplinas acadêmicas e simplesmente agarrei todas as grandes ideias que pude.”
Joi Ito, ao comentar as peculiaridades do Media Lab - o espaço mais criativo do MIT, escreveu: “A cultura não é tanto interdisciplinar, mas orgulhosamente ‘antidisciplinar’; o corpo docente e os alunos, na maioria das vezes, não estão apenas colaborando entre disciplinas, mas também explorando os espaços entre elas e além delas.” Em Whiplash: How to Survive our Faster Future (Grand Central, 2019).
Donald Reinertsen fala a mesma coisa, de um jeito muito mais elegante, em Managing the Design Factory (Free Press, 1997).
E um número recorde de notas de rodapé. Você poderia ter ficado sem esta, né?
