O Kit de Ferramentas do Clube de Trabalho Beer & Beer
O bom trabalhador é conhecido por suas ferramentas (provérbio).
Nossa era de ansiedade é, em grande parte, o resultado de tentarmos fazer o trabalho de hoje com as ferramentas de ontem — com os conceitos de ontem.
E você não faz ideia de como piorou, meu caro Marshall. Porque hoje, além da obsolescência brilhante, há uma quantidade tão absurda de ferramentas, que ninguém dá conta. E piora: as ferramentas não se falam, se sobrepõem, surrupiam ideias alheias e ainda têm a audácia de exigir licenças, certificados e coisa e tal. Tem ferramenta que vira método juramentado. Tem método que está por um triz de virar religião. E tem a gente, Mr. McLuhan, perdidinhos da silva nessa torre de Babel que balança mais não cai.
Precisamos de luz e este post tem dois fósforos para queimar.
A Organização do Kit
Um bom kit de ferramentas tem quatro divisórias principais. Uma para cada tipo de raciocínio requerido quando lidamos com problemas.
As gavetas do lado esquerdo, Descoberta e Exploração, tendem a conter ferramentas de uso mais geral — independentes do tipo de problema, da tecnologia e tipo de solução. Ou seja, é natural que elas tenham um ciclo de vida bem mais longo do que o ciclo das ferramentas de Desenvolvimento e Entrega. Dadas as diferenças, nosso desafio é elaborar interfaces e conectores entre os dois lados. Coisa que raramente a gente faz bem:
[Apesar dos exemplos acima, não estou falando apenas dos tipos de problemas que resolvemos com software. Creia, estamos tratando de qualquer situação que mereça o nosso tempo1.]
A organização do kit independe de métodos ou filosofia de trabalho. Insisto: essa matriz 2x2 de fato representa a forma como nós aprendemos. Como aprendemos qualquer coisa! É a duração do laço de fidbeque - a velocidade ou lentidão com a qual passamos pelos quadrantes - que muda de acordo com o método ou metodologia empregado. Um método, por sua vez, é ou deveria ser selecionado de acordo com o grau de incerteza que vamos enfrentar. O Mapa Wardley abaixo apresenta algumas sugestões.
Agile, como ensina Robert “Uncle Bob” Martin, serve para nos informar “o quanto antes o quão ferrados estamos”2. Ciclos curtíssimos de fidbeque fazem muito sentido quando estamos desenvolvendo algo totalmente novo. E nenhum sentido no desenvolvimento ou evolução de uma commodity. No entanto, seja Agile ou Six Sigma, os momentos de Descoberta, Exploração, Desenvolvimento e Entrega não mudam. E o conteúdo da caixa de ferramentas, muda?
O Conteúdo do Kit
Commodities e utilities tendem a ser bem mais exigentes em termos regulatórios (compliance e coisa burocrática e tal). Mas quem foi que disse que documento é ferramenta?3
É claro que não há uma caixa de ferramentas universal. É lógico que não dá para desenvolver um carro com as mesmíssimas ferramentas que usamos para criar um software4. Mas o bom pensador/trabalhador guarda um lugar bem especial na sua caixa para as ferramentas de amplo espectro - multifuncionais, multiuso… verdadeiramente SISTÊMICAS.
Ferramentas verdadeiramente sistêmicas funcionam em qualquer nível de recursão, são diferentes (trazem informação ou conhecimento novos) e fáceis de integrar. Diferenciação e integração - você sabe onde quero chegar. Porque isso que a gente chama de método - o rabisco acima, por exemplo - é um sistema. Deve ser visto e tratado como tal. Não dá para chegar ali com um puxadinho - um canvas da vida - e achar que tudo vai se encaixar naturalmente. Não vai.
O que muita gente por aí chama de metodologia não passa de burocracia muito mal disfarçada. São sequências de documentos que matam a vontade, o medo ou capricho de alguém, mas que raramente podem ser chamadas de ferramentas - de algo que ajudou o trabalhador a ser mais eficaz e produtivo.
Não vou fazer uma lista de ferramentas, assim como fiz com livros. Como o Mapa Wardley acima e abaixo, espero apresentá-las aos poucos, com bons exemplos e casos de uso. Por enquanto, eu espero que você tenha uma caixa bonita e muito bem organizada. Ano que vem a gente coloca umas coisinhas legais nela.
Mapa Wardley
O pai da criança, o simpático Simon Wardley, tem diversos vídeos apresentando a ferramenta. Este, de 30’, basta como introdução.
Há uma página oficial no Medium. O conteúdo já foi compilado como livro que é distribuído gratuitamente por aí.
Tem um resumo em pt-br aqui, pela Target Teal.
Susanne Kaiser está para lançar um livro que combina o Mapa Wardley com DDD (Domain-Driven Design) e Team Topologies. Tem uma apresentação dela aqui.
2024
Pega leve. Mas pega!
No entanto, já que toquei no assunto, vale a pena dizer que desde que iniciei minha vida profissional, como programador no muito distante 1986, convivo com a promessa-ameaça de geradores de código. Só agora dá para cravar que eles já podem assumir algo entre 50% e 80% do trampo. Só do lado direito da matriz acima. O dev bom de serviço e meio antissocial ganhou o par ideal. Um belo adendo ao seu toolkit.
Clean Agile: Back to Basics (Pearson, 2019).
É claro que eu fiz isso por querer.
Mas a gente vive copiando coisas da Toyota, né?