Metodologias, Métodos, Modelos...
Hoje tem de tudo: tatu, jerico, scrum, cynefin, cascas de banana e teorias.
Há uma hierarquia ou ordem que eu trato com tanto desleixo que eu não sei como ainda não tomei uma espinafrada daquelas. É a seguinte: Filosofia →Ontologia → Epistemologia → Metodologia. E, já que estamos aqui, não custa completar a lista: → Método(s) → Ferramenta(s). A leitura fica mais ou menos assim:
Filosofia: a disciplina que estuda os conceitos mais gerais e as hipóteses mais gerais1. Ontologia (o que há para saber) e Epistemologia (o que e como posso saber) são dois ramos básicos da filosofia2.
Metodologia: O estudo de métodos. O ramo normativo da epistemologia: uma tecnologia do conhecimento. Muitas vezes confundida com “método”, como em “a metodologia utilizada na presente pesquisa”.3
Método: Um procedimento regular e bem especificado para fazer alguma coisa: uma sequência ordenada de operações dirigida a um objetivo.4 Um método guia a seleção de ferramentas.
Tudo isso só pra dizer que nossas metodologias e métodos devem vir de alguma filosofia. Eles não surgiram do nada. Conhecer as origens de nossos modelos — buscar essa rastreabilidade — não é luxo nem coisa de acadêmico à toa. É uma necessidade. Porque não vamos usar essas tecnologias do conhecimento de forma adequada sem compreender suas intenções originais e conceitos fundamentais.
É interessante saber, por exemplo, que o Manifesto Ágil é produto de um encontro de 17 homens-brancos-anglo-saxões-desenvolvedores-de-software-barrigudos5. A origem deve explicar, ainda que parcialmente, os pontos cegos das propostas que de alguma forma derivaram daquele documento6. Mas, perdão… Estamos aqui para papos mais, vamos dizer, <elevados>7.
É a teoria que decide o que pode ser observado.
A teoria — a filosofia! — é a lente. A metáfora fica ainda mais eficaz quando pensamos nesse tanto de gente bradando pelo “fim das teorias”. Elas não querem mais enxergar?
Não há nada mais prático do que uma boa teoria.
A Cibernética é uma teoria, uma forma de ver e entender o mundo. Dela extraímos, por exemplo, a Lei da Variedade Requerida (Só a variedade absorve variedade). Essa lei diz que, na teoria e na prática, precisamos ser complexos para conseguir lidar com a complexidade crescente8.
O Pensamento Sistêmico vem da Cibernética. Não a nega nem esconde. Feedback, por exemplo, é um conceito fundamental descoberto pela Cibernética. Ao comprar uma metodologia, método ou teoria, precisamos estar cientes de que receberemos o pacote todo — inclusive ou particularmente suas leis e princípios.

Teorias não dão Garantias
Não se pode confiar em um método ou ferramenta só porque eles se apresentam como uma implementação de determinada teoria. Carimbar marcas, ainda mais as não registradas — como Sistêmico, Enxuto, Ágil, Quântico, Holístico etc. —, é fácil. Difícil é sustentar uma mentira. A máscara do Scrum, por exemplo, caiu e quebrou de forma irrecuperável quando um de seus criadores prometeu na capa de um livro a realização do “dobro do trabalho na metade do tempo”9.
O mundo do Pensamento Sistêmico não está livre das implementações perigosas10. É terrivelmente comum, por exemplo, um tal modelo iceberg:
Por que uma figurinha aparentemente tão inocente seria perigosa? Porque ela parte do princípio de que comportamentos, atividades, estruturas (processos e regras inclusive) e modelos mentais (entendimentos, preconceitos, vieses etc.) estão escondidos. A metáfora é ruim. Ainda mais num país como o nosso — cheio de gente desconfiada. Não há Navalha de Hanlon (Não atribua à malícia o que pode ser adequadamente explicado pela burrice.)11 que dê conta.
Teorias não são Garantias
Ainda bem. Porque o que não falta por aí é ideia de jerico e “tatu pra nos levar pro buraco”12.
Falando sério: há também as teorias perigosas porque partem de bases frágeis. Vamos pegar o popular e inabalável Cynefin, por exemplo. Em um dos diversos artigos13 que o apresenta os autores definem sistemas complexos. E escorregam em algumas cascas de banana ao afirmar que esses sistemas têm as seguintes características:
Um grande número de elementos interagindo.
O todo é maior que a soma das partes.
Possuem múltiplas identidades e podem alternar entre elas facilmente, sem pensar conscientemente.
Veja bem:
Você é um sistema complexo. Um casal é um sistema complexo. Um trisal é um sistema bem complexo. Tamanho não é documento e nem certificado de complexidade.
Em um sistema complexo, o todo é diferente da soma das partes, não necessariamente maior. Na seleção brasileira de futebol, por exemplo, há tempo o todo é menor.
O sistema tem uma identidade. Múltiplas podem ser as impressões, avaliações e fofocas que os outros sistemas têm sobre ele.
Nenhuma dessas escorregadas condena o modelo de forma definitiva. Afinal, não há modelo perfeito. Todos estão errados. Mas há erros e ERROS, né?
Gramática
Princípio da Estabilidade do Sistema
Sistemas são padrões reconhecíveis ao longo de várias observações.
No material do Curso de Pensamento Sistêmico eu estou apresentando os princípios e leis assim:
Dicionário de Filosofia, Mario Bunge (Perspectiva, 2019).
Não coloque aqueles “quê” e “como” na conta do Bunge, por favor.
Do mesmo dicionário, acima.
Ibidem.
O último atributo é controverso.
Que eu admiro e defendo. Apontar defeitos não significa condenar e sim demonstrar apreço e preocupação (neste caso, com o mau uso).
- Ah, Paulo, mas no Manifesto Ágil não é e nem propõe nenhuma metodologia.
- Não. Ele representa, de alguma maneira, uma Filosofia. Desta brotaram inúmeros métodos, ferramentas, safadezas e mal entendidos.
Escrevi sobre os pontos cegos, na verdade um Grande Buraco, no distante maio/2018.
Um dia alguém sugeriu que a gente usasse <este padrão de notação> para sinalizar ironias. Não pegou. E é triste que esse tipo de coisa seja necessário.
Variedade, aqui, é uma unidade de medida. Ela mede a complexidade de um sistema.
É o tipo de papo que teria arrancado urros e aplausos de Ford e Taylor, por exemplo. Lá no início do século 20.
Quase escrevi bastardas.
Mais aqui.
Além das leis e princípios, a nossa Gramática de Sistemas ficaria afiada com navalhas desse tipo.
Seu Jorge, “Pequinês e Pitbull”.
A Leader’s Framework for Decision Making, de David J. Snowden e Mary E. Boone (Harvard Business Review, Novembro/2007).