Feedback, o Incompreendido
Nós não entendemos o poder nem as fragilidades do feedback1. A palavra está no nosso dia a dia, mas raramente respeitamos seu significado original. O que vive nos causando problemas. Diversos e sérios problemas.
O termo foi roubado da eletrônica: feed back, retroalimentação. O ladrão, Norbert Wiener, o apresentou assim2:
[…] a cadeia de transmissão e retorno da informação: o que doravante denominaremos de cadeia de feedback.
Wiener estava criando e batizando uma nova ciência, a Cibernética. O conceito de laços ou cadeias de fidbeque foi posteriormente incorporado em disciplinas primas3: Teoria Geral dos Sistemas, Dinâmica de Sistemas e no grande, democrático e mal usado guarda-chuvas do Pensamento Sistêmico. É difícil exagerar a importância do conceito:
A terceira lei de Deus. -Kevin Kelly4
[…] a ideia fundamental subjacente ao controle. -Stafford Beer5
A retroalimentação é o governador, o timoneiro. -James Gleick6
[…] pensadores sistêmicos veem o mundo como uma coleção de ‘processos de feedback’. - Donella Meadows7
Mais difícil é explicar como algo tão essencial é pouco ensinado e muito mal compreendido. Fidbeque não é resposta, like ou cara feia. Se é fidbeque — se há retroalimentação — então o sistema muda. Existem dois e apenas dois tipos de fidbeque:
Positivo: indica que as duas partes envolvidas, A e B, exibem o mesmo comportamento — se movem na mesma direção: Se A aumenta, B aumenta; Se A diminui, B diminui. São os laços positivos que nos dão os círculos virtuosos ou viciosos. O termo cibernético/sistêmico para esse tipo de relação é Laço de Reforço. Não deixe que o positivo te engane. É esse tipo de laço que gera congestionamentos, vícios e cânceres, por exemplo.
Negativo: sinaliza que duas variáveis se movem em direções opostas: Se A aumenta, B diminui; Se A diminui, B aumenta. Homeostase, balanço, regulação e equilíbrio são termos comumente usados para retratar esse tipo de relação, o Laço de Equilíbrio. Não se deixe enganar pelo negativo. São esses laços que garantem a saúde de nosso mundo, das nossas organizações e da gente. Entretanto, nem todo laço de fidbeque negativo é desejável. Esses loops estão presentes, por exemplo, em todos os sistemas que teimam em não mudar. Nem toda resiliência é desejável. Por isso as chamamos de teimosias ou coisa pior.
A escrita, seja em que língua for, é sempre linear. O Pensamento Sistêmico, não-linear por definição, precisa de outro tipo de representação. Ele pede por desenhos e rabiscos:
Temos dois laços de reforço acima. Todos os fidbeques são positivos, ou seja: se a Confiança aumenta, o Alinhamento aumenta; E se o Alinhamento aumenta, a Eficácia também aumenta; O aumento da Eficácia gera aumento da Confiança. Teríamos assim um ciclo virtuoso. Só que, sem mexer em nenhum elemento do diagrama, a leitura pode ser outra: Se a Confiança é baixa, o Alinhamento é baixo; Alinhamento baixo significa pouca Eficácia — muitos erros; A baixa eficácia gera queda de confiança. Assim temos um círculo vicioso.
Os dois laços compartilham uma variável, a Confiança. É preciso confiança para dar/merecer maior autonomia; E é preciso confiança para compartilhar objetivos. O que você acha que acontece numa situação em que há muita autonomia e pouco alinhamento ou vice versa?
Balanceamento
Não vou transcrever todo o diagrama novamente. [De nada.] Peço apenas que repare nos três fidbeques negativos que apareceram: o aumento da Carga de Trabalho tende a reduzir a eficiência, o que vai aumentar os prazos de entrega, gerando alguma insatisfação em nossos clientes. Ganhamos um Laço de Balanceamento (ou Equilíbrio) porque, vez por outra, vamos perder alguns clientes; Vez por outra, vamos ganhar novos clientes8.
Esta ferramenta, simples como ela só, se chama Diagrama Causal ou Diagrama de Laços Causais (Causal Loop Diagram). É uma das melhores maneiras de capturar o comportamento de um sistema9. Como estamos em um círculo, você pode começar o desenho ou leitura de qualquer lugar. Uma das regrinhas mais importantes é não colocar verbos nos nomes das variáveis. De jeito nenhum. Outra, que passa despercebida por quem só conhece a ferramenta via Peter Senge (tópico 8 abaixo), nos ajuda a identificar o tipo de laço: se o número de fidbeques negativos for ímpar, temos um laço de balanceamento. Pense nisso. [Volte daqui uns 15’. A gente espera. De nada.]
Complexidade
A ferramenta é simples. O recheio… o que dizer dos possíveis recheios?
![Fig. 4.2 Fig. 4.2](https://substackcdn.com/image/fetch/w_1456,c_limit,f_auto,q_auto:good,fl_progressive:steep/https%3A%2F%2Fsubstack-post-media.s3.amazonaws.com%2Fpublic%2Fimages%2Fc3ba4eb8-1682-49df-b6d7-adb1a9567933_1298x964.png)
Veremos no próximo post. Inté!
![](https://substackcdn.com/image/fetch/w_1456,c_limit,f_auto,q_auto:good,fl_progressive:steep/https%3A%2F%2Fsubstack-post-media.s3.amazonaws.com%2Fpublic%2Fimages%2F8f025650-42c7-43a7-9925-d977c25ff564_1920x1190.jpeg)
Cotação
A causalidade é o tipo de relacionamento mais importante envolvido na solução de problemas. […] Nossa capacidade de resolver problemas depende criticamente de quão bem conceituamos as conexões causais entre o que fazemos e o que queremos. Muitas de nossas falhas na solução de problemas derivam de assumir uma conexão causal onde ela não existe ou de caracterizar incorretamente uma conexão causal onde ela existe.
Optei pela escrita ‘correta’ no caput para não espantar logo de cara os puristas que têm nojinho de neologismos. Desse ponto em diante retomamos nossa redação bem Rosa, Guimarães Rosa: fidbeque!
Cibernética ou Controle e Comunicação no Animal e na Máquina (Perspectiva, 2017, a partir da edição de 1961. A original é de 1948.)
Wiener voltou ao tema com menos matemática em Cibernética e Sociedade: o Uso Humano de Seres Humanos (Cultrix, 1978):
[...] realimentação (feedback), ou seja, a capacidade de poder ajustar a conduta futura em função do desempenho pretérito. A realimentação pode ser tão simples quanto a de um reflexo comum, ou pode ser uma realimentação de ordem superior, na qual a experiência passada é usada não apenas para regular movimentos específicos como, outrossim, toda uma política de comportamento. Tal espécie de realimentação pode revelar-se, e amiúde se revela, como aquilo que, sob um aspecto, conhecemos por reflexo condicionado, e sobre outro, por aprendizagem.
Realimentação não é uma boa tradução. Retroalimentação é melhor, mas muito longa. Por isso insisto no fidbeque proposto pelo tradutor Antonio Reis.
Ou seriam filhas? Ou irmãs? Indiscutível é o fato da Cibernética ter chegado antes.
Out of Control: The New Biology of Machines, Social Systems, and the Economic World (Basic Books, 1994).
Como citado por Jurgen Appelo em Management 3.0 (Addison-Wesley, 2010).
Cibernética e Administração Industrial (Zahar Editores, 1969).
Obs.: Não encontrei a edição da Zahar no Goodreads. Por isso o link aponta para a edição original.
A Informação (Companhia das Letras, 2013).
Por isso eu acho que o Peter Senge foi muito feliz ao escolher a imagem de uma gangorra para representar este tipo de loop. O outro laço, o reforço, é representado por uma bola de neve. No entanto — dentre os diversos poréns que tenho em relação à obra prima desse cara —, ele não distingue os fidbeques individualmente. O que compromete a legibilidade dos diagramas. E, cá entre nós, colocar um R e um B é bem mais rápido do que desenhar gangorras e avalanches, né?
Em tempo, a obra prima de Peter Senge é o livro mais vendido sobre Pensamento Sistêmico (infelizmente): A Quinta Disciplina: A Arte e a Prática da Organização que Aprende (Best Seller, 1990-2019). Qualquer dia, se sobrar tempo, explico os poréns e o (infelizmente). Enquanto isso, se você quer realmente aprender a pensar em sistemas, comece pelo título do tópico 7 acima.
Uma alternativa popular — reducionista e linear — atende pelos nomes de Diagrama Ishikawa ou simplesmente fishbone.
![undefined undefined](https://substackcdn.com/image/fetch/w_1456,c_limit,f_auto,q_auto:good,fl_progressive:steep/https%3A%2F%2Fsubstack-post-media.s3.amazonaws.com%2Fpublic%2Fimages%2F47f063ef-a89c-4b81-b62a-55fceb461be5_521x363.jpeg)
Repare: com esta representação nós perdemos a noção de circularidade e a possibilidade de entender melhor como causas e efeitos se entrelaçam e nos confundem.
Mas é claro que não temos apenas duas alternativas de ferramentas para esse tipo de estudo. Conheceremos outras.
The Art of Problem Solving (Wiley, 1991).