A ideia é boa demais para ser ignorada1: Temos três óculos. Cada um nos mostra algo diferente sobre a gente, nossas organizações ou a sociedade como um todo. Não se trata de receita, ferramenta ou método. Os óculos representam apenas novos modos de olhar — hábitos a criar. São perspectivas que podem, quem sabe?, nos ajudar a desenhar novas organizações ou dar um jeito nas velhas. Cada par de óculos representa um Balanço Essencial. Chegaremos a eles. Antes, porém, é importante entender a metáfora.
Estamos falando de óculos, não de lentes. E não é só por causa do par. Óculos têm armações, molduras, fronteiras. Elas impõem vieses e criam pontos-cegos. Óculos cansam. Não conseguimos ficar com eles o tempo todo.
Vendida a analogia, é preciso dizer que você não precisa comprá-la. Nem ela nem nenhuma das ideias que chegam já já. A proposta é que você as alugue. Da mesma forma como aluga um carro: Aluga; Usa; Viaja; Entrega. Em tempos de tantas incertezas, talvez faça mais sentido esse desapego, esse acoplamento fraco. Importante é que a ideia, assim como o carro, seja útil e usável. E sobre quais ideias vamos falar, afinal?
Da natureza, desse imenso corpo de conhecimentos com bilhões de anos de idade, nós vamos copiar três Balanços Essenciais. Vamos aprender a observar esses pares aparentemente antagônicos. Porque esses balanços estão presentes em todos os sistemas viáveis.
Ao colocar esses óculos para apreciar as nossas organizações, o que veremos? E o que devemos procurar?
Autonomia e Coesão
A falta de autonomia nos torna ineficazes e ineficientes. A falta de autonomia nos retarda. Quem consegue ser ágil tendo que pedir licença em cada esquina? O excesso de autonomia distancia nossos times e áreas. Autonomia de mais cria silos. Autonomia plena é desintegração.
Tudo o que dá coesão impõe algum tipo de restrição. Um porquê pode definir a nossa identidade. Alguns quês podem nos entregar planos — pacotes de decisões que nos prometem agilidade enquanto reduzem variedade. Mas a intromissão nos como-fazer, nos how-tos, pode pegar mal. A burocracia que nos faz burros.
Estabilidade e Diversidade
Alguma estabilidade em tempos de correria doentia é sonho. Teimosias numa era de mudanças desenfreadas dão pesadelos. Saber separar o que muda pouco do que muda muito é boa arquitetura. Saber separar e proteger o que é inegociável é sabedoria.
Estabilidade e homogeneidade dentro dos times é desejável. A diversidade entre os times é uma necessidade. O caráter ético da diversidade é necessário mas nunca é suficiente. É preciso ir além da variação de idade, gênero, raça e religião.
Exploração e Explotação
Um bicho precisa almoçar (explotação2) para ter energia para buscar a janta (exploração). Uma organização precisa saber usar os seus recursos (explotação) para ter reservas e fôlego para explorar o seu futuro. Todo bom projeto tem ciclos de descoberta e exploração enriquecendo e direcionando os ciclos de desenvolvimento e entrega3 (explotação).
Perigosamente, quase todas as organizações privilegiam o curtíssimo prazo (explotação) em detrimento do futuro (exploração). Mas insistir exageradamente neste assunto, como faço neste finito, também é um tipo de explotação.
Estímulo e Resposta
Tudo o que é complexo envolve o equilíbrio dinâmico entre variados pares aparentemente antagônicos4. Todo mundo que quer falar seriamente sobre complexidade vai tropeçar — cedo ou tarde, por bem ou por mal5— na Lei de Ashby:
Só a variedade absorve variedade.
Por isso precisamos de um quarto par de óculos, daquele que cuida de Estímulos e Respostas. É possível falar em meta-óculos? Porque este par cobre os demais; Ele enriquece — amplifica ou atenua os outros pares. Porque todos são afetados pela variedade (complexidade)6 que explode lá fora.
Olha procê Vê
O olha procê vê é uma dessas sínteses mineiras que fazem brilhar os olhos.
(não sei se apago ou guardo a frase acima)
Olha só procê vê: Os óculos dos três balanços podem ser sobrepostos. Aliás, devem. Na medida em que você treina o hábito, ganha curiosidade de saber, por exemplo, o que faz aquele time tão novinho e desigual ser mais responsivo do que os demais mesmo quando recebe demandas inéditas e variadas. Ou será justamente por causa da variedade dos estímulos e das pessoas envolvidas? Quem sabe? Como saber?
É fácil notar a complementaridade entre Autonomia, Diversidade e Exploração. Troque uma dessas lentes pelo seu par e reveja a mesma situação. Faça outras combinações. Prepare-se para se surpreender com novas ideias e descobertas.

Créditos
Todas as ideias apresentadas acima têm um único autor, Ivo Velitchkov. Se meu resumo não foi suficiente para te mostrar todo o potencial dos Balanços Essenciais, a culpa é só minha. Ainda bem que terei mais oportunidades. Porque estou longe de encerrar o assunto.
Baguncei tanto as fontes que usei no estudo do VSM que não sei como cheguei no livro Essential Balances7. Já escrevi isso antes e repito: não é um livro de ou sobre o VSM nem sobre Cibernética Organizacional. Mas quem é minimamente treinado nesses tópicos não deixará de notá-los. No entanto, Velitchkov conseguiu a proeza de escrever um texto totalmente isento de jargões e tecnicismos. Aliás, livre de diagramas também. Não há nenhum em todo o livro. Olha para você ver!
Cotação
As organizações são constantemente pressionadas a aumentar a sua eficiência. Para fazer mais com menos. Para tomar decisões racionais e bem justificadas. Para tornar as coisas mais rápidas, mais baratas e para se livrar de tudo o que não traz valor. São pressionadas a analisar cuidadosamente o que funciona bem e especializar-se para que se tornem ainda melhores nisso. No entanto, a luta pela eficiência traz consigo um risco. Isso torna as organizações inflexíveis. Quando o ambiente muda, suas respostas carecem de variedade para atender aos novos estímulos. Elas foram treinadas para serem boas em circunstâncias que não existem mais. Alguma ineficiência não é necessariamente ruim. Na verdade, é uma pré-condição para a sobrevivência.
-Ivo Velitchkov
“Bom demais para ser ignorado” é um mantra-desafio criado pelo humorista Steve Martin. Cal Newport gostou tanto que o surrupiou e transformou em livro: Bom Demais para Ser Ignorado (Alta Books, 2022).
Confesso que nem sabia que esta palavra, explotação, existia. O original em inglês é exploitation. Explotação significa, de forma não muito precisa, uso. Eu diria, uso e abuso. Mas abuso soa exagerado… Tomara que explotação funcione.
Não perco a chance de reforçar que Desenvolvimento-Entrega (DevOps!) é a metade fácil e mais barata do trampo - é só explotação! É ou deveria ser.
Há outros balanços importantes — Dimensões da Complexidade — inventariados por Mihaly Csikszentmihalyi em Creativity: The Psychology of Discovery and Invention (Harper Perennial, 2013).
Quando por mal, o tropeço vira tombo. De um jeito ou de outro, vira aprendizado. Deveria virar.
Já escrevi tanto sobre isso que devo estar te cansando. Mas, para o caso de você ser um recém-chegada/o — seja bem vinda/o! —, uma necessária explicação: Variedade é uma unidade de medida. Ela mede a complexidade, ou seja, o número de estados potenciais de um sistema. O seu interruptor de luz não é complexo. Você deve ser. Deveria ser.
Essential Balances: Stop Looking and Start Seeing What Makes Organizations Work, Ivo Velitchkov (KVISTGAARD, 2020).