Cibernética Organizacional
Ou "O modelo que você sempre precisou, ainda que, muito provavelmente, nunca tenha parado para pensar sobre isso."
Cibernética: Ou Controle e Comunicação no Animal e na Máquina1. Logo no título do livro - sem usar adjetivos, palavrões ou promessas -, Norbert Wiener entregou a ideia toda. Estava descoberta a ciência que conversaria com2 todas as outras ciências. Estava batizado o pequeno conjunto de leis e princípios que facilitaria as interações entre as mais diversas e arredias disciplinas. W. Ross Ashby, outro pai-descobridor, definiu a Cibernética como a ciência da simplificação3. A Cibernética é contemporânea da Teoria da Informação. Deste par brotaram o Pensamento Sistêmico, a Inteligência Artificial e tudo o que etiquetamos como Tecnologia da Informação e Comunicação.
Recuperando o título do livro seminal de Wiener, e avaliando o estado atual das coisas, percebemos um desequilíbrio: a máquina avançou muito mais do que o animal. Nós e nossas organizações perdemos o fio da meada e a capacidade de acompanhar o ritmo das mudanças. Talvez tenha chegado a hora de compreender - ou pelo menos desconfiar — que boa parte das respostas que procuramos pode estar na mesma ciência que inspirou e impulsionou todos os avanços tecnológicos dos últimos quase cem anos.
A Cibernética ganha uma versão voltada para o estudo e o design de organizações pelas mãos do inglês Stafford Beer. Depois de vinte anos de desenvolvimento e testes, Beer apresentou o seu Modelo do Sistema Viável (VSM, no original em inglês)4, em 1972. Desde então, o VSM foi aplicado nos mais diversos tipos e portes de organizações, de padarias (!) até nações inteiras. Apesar da força e consistência do modelo e dos diversos casos de sucesso5, o VSM segue pouco conhecido e raramente ensinado. Particularmente no lado de cá do oceano Atlântico6. Um dia, quem sabe, nós vamos debater os motivos para essa danosa e esquisita vista grossa. Não agora. Não, enquanto eu não conseguir explicar por que todo mundo que chega neste finito deveria conhecer o modelo.
O Modelo
Na apologia Aos Cabeças-Duras (e às boas teorias), eu escrevi que um modelo é uma interpretação da realidade. E essa interpretação é guiada e podada por alguma teoria — por fraca ou vergonhosamente equivocada que ela seja. Quando falamos sobre como enxergar uma organização — pública ou privada, formal ou não —, quais modelos temos à nossa disposição?
Ao falar sobre a estrutura organizacional, em 99% das vezes, seremos apresentados a um organograma7. Beer não se cansou de fazer graça com o modelo, “uma ferramenta de distribuição de culpa”. Em Brain, ele diz que um marciano ficaria imaginando o tamanho da cabeça de quem estivesse no topo de uma grande organização. Porque só uma anomalia assim — um cabeção —justificaria aquele diagrama.
A dinâmica de uma organização é normalmente desenhada como fluxogramas e mapas de processos. Completa um modelo de negócio convencional alguma representação dos objetivos e da estratégia. Temos, portanto, três visões: estrutura, dinâmica e propósito. Em comparação com os modelos utilizados por médicos de gente, os dois primeiros são a Anatomia e a Fisiologia. O VSM sugere uma terceira perspectiva, a Neurologia8.
Beer precisava do melhor exemplo possível de um sistema que sobrevive e prospera em um mundo em explosiva complexidade. Ele não precisou procurar muito para concluir que nós humanos somos o melhor modelo de sistema ultraestável9. Não se pode descartar 3,5 bilhões de anos de aprendizagem. Nosso Sistema Nervoso Central (SNC) foi a primeira e principal inspiração de Beer. Que insiste: não se trata de uma analogia. Nosso SNC é uma inspiração. Porque é um exemplo de um sistema que funciona muito bem há muito tempo. E, não por acaso (!), é o sistema mais complexo conhecido até hoje. Isso é importante porque um dos princípios centrais da proposta de Beer é a Lei de Ashby: só a variedade absorve variedade. Lembrando: variedade é uma unidade de medida. Ela mede a complexidade, ou seja, o número de estados possíveis de um sistema.
O Modelo do Sistema Viável, assim como todo sistema complexo, parte de poucos elementos: cinco níveis, dois eixos e dois ou três10 princípios fundamentais.
[continua e não tem dia nem hora para acabar]
Cotação
O sistema nervoso humano também falha de vez em quando; mas ele parece ter solucionado um tanto de problemas que ainda comprometem as nossas organizações.
Cybernetics: Or Control and Communication in the Animal and the Machine (MIT Press, 1948).
E também desafiaria todas as outras ciências, ao propor um conjunto de leis e princípios que valeria para todas, tanto para as existentes quanto para aquelas à espera de definição ou descoberta.
Design for a Brain (Chapman & Hall, 1952).
Brain of the Firm (Allen Lane, 1972. Uma segunda edição, ampliada, foi publicada pela Wiley em 1981). Este é um dos dois únicos livros de Beer que mereceram edições em português do Brasil. Saiu aqui como Cibernética na Administração (Ibasa, 1979). O outro foi Cibernética e Administração Industrial (Zahar Editores, 1969). Título original: Cybernetics and Management.
Documentados pelo próprio Beer e diversos outros autores, como Angela Espinosa, José Pérez Rios, Markus Schwaninger, Martin Pfiffner, Patrick Hoverstadt, Wolfgang Lassl e outros. Espere por uma bibliografia comentada. Ao final desta série.
É curioso e sintomático que em 1985 tenha sido publicado, aqui no Brasil, um artigo chamado Quem tem medo de Stafford Beer?. É de Carlos Eduardo de Senna Figueiredo, o único brasileiro a ter contato direto com o projeto Cybersyn, que Stafford Beer conduziu no Chile no início dos anos 1970.
(RAE - Revista de Administração de Empresas , [S. l.], v. 25, n. 4, p. 73–76, 1985. Disponível em: https://periodicos.fgv.br/rae/article/view/39217. Acesso em: 15/2/2024.)
É do mesmo Carlos Eduardo o artigo A empresa não é uma árvore. Igualmente influenciado pelos escritos de Beer. O autor mostra, através de uma matemática simples, a inviabilidade do tipo de hierarquia representada pelo organograma.
(RAE - Revista de Administração de Empresas , [S. l.], v. 25, n. 1, p. 63–65, 1985. Disponível em: https://periodicos.fgv.br/rae/article/view/39100. Acesso em: 16 feb. 2024.)
Essa analogia foi proposta por Martin Pfiffner em The Neurology of Business (Springer, 2022).
O conceito foi apresentado por W.Ross Ashby em Design for a Brain (Chapman & Hall, 1952). Ou seja, um tempinho antes do Taleb começar a falar sobre ser Antifrágil (Objetiva, 2020). E com uma diferença: Ashby e Beer são mais claros e menos escorregadios ao explicar o como (ser ultraestável).
Pois é, sigo tentando descobrir ou definir (o número de princípios fundamentais propostos pelo VSM).
Brain of the Firm (Wiley, 1981. P. 88).