Toda teoria é um esforço de explicar para cabeças-duras a realidade que eles não enxergam.
Acho que todos somos cabeças-duras quando o sistema em foco é uma invenção nossa, uma empresa ou qualquer tipo de organização social. E todos carregamos alguma teoria que embasa, mas também restringe, o que observamos e o que compreendemos.
É a teoria que decide o que pode ser observado.
Nesses tempos marcados por livros de uma ideia só — textos cheios de historinhas e rasos nas teorias —, quanto da nossa capacidade de observação e entendimento tem sido comprometida?
Ninguém pode ser um bom observador se não for um teorizador laborioso.
Cada teoria é um modelo, um esforço de explicação, uma perspectiva. Modelos são versões editadas da realidade. Só existe um modelo completo e perfeito:
O modelo ideal de qualquer sistema é o próprio sistema.
Quando um modelo borra, distorce ou nega a realidade que diz representar, ele perde a utilidade.
Lembre-se de que todos os modelos estão errados; a questão prática é saber quão errados eles devem estar para não serem úteis.
Entretanto, todos que pretendem lidar — entender, influenciar, controlar ou dançar2 — com sistemas precisam de modelos.
Todo bom regulador de um sistema deve ser3 um modelo daquele sistema.
Porque, como Ashby já havia descoberto anteriormente,
Só a variedade destrói4 variedade.
Um bom modelo atenua a variedade (complexidade). Bons modelos só entregam informação de verdade:
Informação é a diferença que faz diferença.
Bons modelos fazem a diferença. Boas teorias fazem toda a diferença.
Não há nada mais prático do que uma boa teoria.
Teorias Ruins
Os médicos de gente têm bons modelos. Anatomia para a estrutura e fisiologia para a dinâmica, por exemplo. Os médicos de pessoas jurídicas — consultores, analistas e afins — usam o quê?
A Contabilidade é um bom modelo. Se não fosse, não teria mais de cinco séculos de serviços prestados. Entretanto, como Box alertou, todo modelo tem pontos cegos. O da contabilidade é bem grande:
[…] o modelo da contabilidade é uma difamação e uma ilusão: porque esconde o custo de não fazer. O que é 70%. […] Fazer as coisas é barato. Não fazer as coisas é caro. A contabilidade de custos não mede essas coisas.
O que dizer, então, daqueles que confiam num indicador, numa variável pequenininha que extraímos da contabilidade? Considere o EBITDA, por exemplo, tão usado por consultores e investidores.
Acho que toda vez que você se deparar com a palavra EBITDA, você deveria substituí-la por ‘ganhos de merda’.
Fico curioso para saber o que esses velhos diriam a respeito dos canvases e dos modelos modernos de design organizacional.
Triangulação
Minimizamos os inevitáveis pontos cegos e mal-entendidos nos trabalhos de modelagem fazendo a triangulação de modelos. A eficácia da técnica é proporcional às diferenças e à complementaridade dos modelos ou abordagens usados. Isso não dá sobrevida aos modelos rasos ou ruins. Mas expõe suas falácias, o que já é alguma coisa.
A Vida não é Útil (Companhia das Letras, 2020).
É o sinônimo poético que Donella Meadows deu para o “lidar” com sistemas.
Incomodados com o “ser o modelo”, costumam trocar o verbo para ter ou conter.
A versão consolidada posteriormente diz que “só a variedade absorve variedade”.
Citado em What would Drucker do?: Nurture great organizations and societies guided by Peter Drucker's best quotes, de Niels Pflaeging (BetaCodex Press, 2023).
Citado em EBITDA virou ‘métrica sem sentido’, diz BTG.